4 de Julho de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
D.E. Publicado em 27/04/2012 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, voto por dar parcial provimento à apelação interposta por PEDRO SEVERINO DE LIMA FILHO e VICENTE FERREIRA SOARES, reduzindo suas penas para três anos, um mês e quinze dias de reclusão e quinze dias-multa, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, a saber, uma prestação de serviços à comunidade e uma prestação pecuniária no valor de dez salários mínimos, mantendo-se, no mais, a r. sentença condenatória, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Descrição fática: Consta da denúncia de fls. 02/04, recebida em 16.02.2004 (fls. 544/545) que PEDRO SEVERINO DE LIMA FILHO e VICENTE FERREIRA SOARES, na qualidade de representantes legais da sociedade "TESE TRANSPORTES SENSÍVEIS LTDA.", deixaram de repassar aos cofres da Previdência Social as contribuições previdenciárias descontadas dos salários de seus empregados nos período de 07.1998 a 12.1998, incluindo o décimo terceiro salário, 01.1999 a 06.2001 e 07.2001 a 11.2001, causando um prejuízo à Previdência no montante de R$ 2.961.908,13(dois milhões, novecentos e sessenta e um mil, novecentos e oito reais e treze centavos) demonstrado nas Notas Fiscais de Lançamento de Débito (NFLD's) de nºs 35.421.520-5, 35.421.521-3 e 35.421.522-1.
Imputação: Art. 168-A c.c. art. 71, ambos do Código Penal ( CP).
Sentença (fls. 882/897): Publicada em 08.09.2010, a r. sentença prolatada pelo Juízo da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo julgou procedente a pretensão punitiva estatal tal como aduzida na denúncia, condenando ambos os réus às penas de três anos e nove meses de reclusão em regime inicial aberto e pagamento de dezoito dias-multa, fixado o valor dia-multa em um trigésimo do salário mínimo. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, nas espécies de prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária.
Apelantes - PEDRO SEVERINO DE LIMA FILHO e VICENTE FERREIRA SOARES (fls. 903/908): Pleiteiam o reconhecimento de inexigibilidade de conduta diversa, absolvendo-os das imputações feitas na denúncia. Argumentam que as contribuições previdenciárias não repassadas à Previdência Social sequer foram descontadas dos salários dos empregados, e que, à época dos ilícitos, a sociedade por eles administrada, que exercia atividade de transporte de cargas, passava por graves dificuldades financeiras em razão de um grande número de roubo de cargas nas estradas. Salienta, além, que não estava presente o dolo específico. Subsidiariamente, requer a redução da pena pecuniária imposta.
Contrarrazões apresentadas pela apelada às fls. 920/925.
Parecer da Procuradoria Regional da República (Dr. Sergei Medeiros Araújo - fls. 948/951v): Opina pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RELATOR COTRIM GUIMARÃES:
Do crime
A materialidade delitiva está devidamente evidenciada nos autos, em especial pelos documentos de fls. 11/426. Dentre esses documentos estão as NFLD's 35.421.520-5 (fl. 11), 35.421.521-3 (fl. 52) e 35.421.522-1 (fl. 166), demonstrando o não repasse de contribuições previdenciárias devidas à Previdência Social nas competências mencionadas na denúncia, e as folhas de pagamento acostadas às fls. 195/412, as quais atestam o desconto de tais contribuições do salários dos empregados da sociedade em que se deram os ilícitos.
Conquanto a defesa alegue nas razões de apelação que os mencionados descontos não se deram de fato, a verdade é que tal afirmação não se comprovou nos autos, pelo contrário. A análise das provas trazidas aponta para a existência do desconto, havendo apenas a palavra da defesa em sentido oposto, o que não convence este julgador.
A autoria, por sua vez, pode ser inferida do contrato social da TESE TRANSPORTES SENSÍVEIS LTDA. e respectivos aditamentos (fls. 427/429), o qual aponta, em sua cláusula quinta, que a gerência e administração da sociedade era encargo de ambos os sócios, ou seja, de PEDRO e VICENTE. No mesmo sentido convergem os depoimentos das testemunhas Francisco Ciotti (fls. 729/730) e David da Silva (fls. 783/784), afirmando ser a administração da sociedade dividida pelos ora apelantes.
Do que se dessume dos autos, os apelantes livre e conscientemente se omitiram em repassar à Previdência Social aquilo que se recolheu do salário dos empregados da sociedade que geriam. É sólido o entendimento jurisprudencial de que é prescindível à configuração do tipo subjetivo da apropriação indébita previdenciária que se comprove o dolo de locupletamento:
Assim, para caracterização desse crime, não se exige que o agente se aproprie dos valores que foram arrecadados, bastando a demonstração da vontade livre e consciente de não recolher ao INSS as contribuições previdenciárias descontadas da folha salarial dos empregados.
Nesta linha de raciocínio, o E. STF, no HC 76978/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 19-02-99, pág. 027, tratando do art. 95, d, da Lei 8.212/91, firmou orientação perfeitamente aplicável ao tipo penal do artigo 168-A, do Código Penal, indicando tratar-se de crime omissivo para o qual basta o dolo genérico, cujo comportamento não traduz simples lesão patrimonial, mas quebra do dever global imposto constitucionalmente a toda a sociedade. Assim, o tipo penal em questão tutela a subsistência financeira da previdência social, não havendo que se falar em responsabilidade objetiva.
Observe-se que o dolo deve ser aferido no momento da omissão. Não efetuado o recolhimento, de forma livre e consciente, da contribuição descontada dos segurados, resta caracterizado o dolo, o que ocorreu.
Nesta esteira, colaciono os seguintes arestos desta colenda Turma:
A arguição de que era inexigível outra conduta aos réus face ao grande prejuízo proporcionado por roubo de cargas não encontra respaldo probatório nos autos.
A jurisprudência pátria vem admitindo a incidência desta causa supralegal excludente de culpabilidade da conduta tipicamente descrita no art. 168-A, do Código Penal, apenas em casos em que verificadas dificuldades financeiras insuperáveis, isto é, em cenários nos quais o recolhimento dos valores descontados da folha salarial relativos às contribuições previdenciárias colocaria em risco a própria continuidade da atividade empresarial ou o pagamento de verbas alimentares de seus empregados, configurando a impossibilidade de escolha diversa por parte do sócio-gerente, de modo a justificar o sacrifício do bem jurídico alheio.
Nesta linha, transcrevo aresto desta Segunda Turma, no qual estão mencionados os requisitos para sua configuração:
A estes requisitos, acrescento a necessidade de comprovação da incapacidade econômica dos sócios da empresa de honrar tais obrigações previdenciárias com seus patrimônios pessoais, uma vez que lhes compete satisfazê-las, em caráter subsidiário, nos termos da legislação societária e tributária vigente.
Se, a despeito da caótica situação financeira da empresa, tiverem os sócios resguardado seus bens pessoais, fica nítido que havia alternativa ao cometimento do tipo penal, e que, indevidamente, não se lançou mão dela em favor da preservação de interesse particular.
Neste sentido, é oportuno trazer à colação o entendimento da Colenda Quarta Turma do E. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, a este respeito:
Ressalte-se que o não repasse das contribuições previdenciárias lesa o equilíbrio atuarial que sustenta a manutenção de benefícios e serviços sociais necessários à realização do princípio da dignidade humana.
Portanto, não é qualquer oscilação econômica que torna imerecida a sanção penal pela configuração de inexigibilidade de conduta diversa.
Com efeito, deve-se sopesar neste balanceamento a relevância social do bem jurídico ofendido, qual seja, o patrimônio do regime geral de Previdência Social e a regularidade dos empregados enquanto segurados do sistema de proteção social.
Neste contexto, é imperativo que se demonstre inequivocamente uma situação de risco excepcional à instituição, somada à impossibilidade de satisfação das obrigações previdenciárias com os bens dos sócios, para ensejar a descriminação do fato típico.
Fosse admitida a inexistência de delito sob a mera alegação de "crise financeira", seja por razões de ordem macroeconômica, seja pelo insucesso de determinado negócio, não haveria campo para aplicação da lei penal, pois esses são acontecimentos ínsitos ao desenvolvimento da atividade empresarial.
No caso em apreço, os réus não se desincumbiram do ônus, imposto pelo art. 156 do Código de Processo Penal, de provar as circunstâncias de adversidade econômica invencível para a empresa, por razões alheias à sua gestão, o que demandaria a apresentação de livros contábeis, extratos bancários, declarações de imposto de renda da pessoa jurídica e dos sócios, bem como outros documentos que evidenciassem a absoluta falta de alternativas aos gestores senão a prática das condutas ora apreciadas.
É bem verdade que a defesa juntou nos autos notícias estampadas em jornais de um grande roubo ocorrido no estabelecimento comercial dos demandados em outubro de 1997 (fls. 564/567), ocasião na qual, segundo os jornais, subtraíram-se três milhões de reais em mercadorias, além de cinco caminhões, um reboque, uma van, um carro de passeio, sete revólveres e outras coisas. Demais disso, há diversos boletins de ocorrências relativos a roubo de cargas cujo transporte era da empresa dos apelantes (fls. 568/608).
Apesar desses fatos, não logrou êxito a defesa em demonstrar o nexo de causalidade que levou a sociedade dos réus a dificuldade tamanha a ponto de não mais se poder lhe exigir o desconto e repasse de contribuições previdenciárias dos salários dos empregados. Isso porque a alusão a estes roubos não tem o condão de, por si só, permitir deduzir uma dificuldade extrema.
Note-se, aliás, que PEDRO afirma serem seguradas as cargas transportadas na sua empresa (fl 68). Se eram seguradas, por certo o seguro deveria ter coberto o prejuízo causado pelas subtrações. Remanesce acesa a dúvida: se havia seguro, por que a sociedade não foi devidamente indenizada? E, se foi, como pôde entrar em dificuldades financeiras?
PEDRO, em relação ao grande assalto de outubro de 1997, afirma que sua seguradora demorou sete meses para pagar a indenização. Tal demora, isoladamente, não pode ser tomada como causa da crise financeira da empresa, pois acontecimentos como esse se inserem nos riscos normais da atividade empresarial.
Também é verdade que as testemunhas da defesa foram uníssonas no sentido de que as dificuldades financeiras eram enfrentadas pela TESE TRANSPORTES à época dos fatos (fls. 729/731 e 783/784), mas daí, igualmente, não se pode concluir pela inexigibilidade de outra conduta.
Ademais, do mesmo modo como não se comprovou o nexo causal destes fatos com a tese de impossibilidade total de efetuar os repasses à Previdência Social.
Em face dessas considerações, lembrando ainda que o ônus da prova é da parte que alega, não vejo como provada a inexigibilidade de conduta diversa aduzida na apelação. Sendo assim, é de se manter a condenação dos apelantes.
Da pena
Antes de apreciar as alegações dos apelantes quanto à pena pecuniária que lhes foi imposta, impende proceder a leve reproche sobre a sentença guerreada. Na primeira fase da dosimetria penal, o sentenciante considerou as circunstâncias do crime e a culpabilidade dos agentes como desfavoráveis, fundamentando-se da seguinte maneira (fl. 895):
Em que pese certa obscuridade no transcrito acima, é possível interpretar a passagem como uma afirmação de que a ausência de dificuldades financeiras na empresa dos apelantes é uma circunstância judicial desfavorável e também revela maior culpabilidade dos agentes.
Contudo, vê-se descompasso com a realidade fática extraída do conjunto probatório. Como aludido supra, há nos autos elementos apontando para uma efetiva penúria na empresa; o que não há é a demonstração de que esses tormentos sejam tamanhos a ponto de justificar a conduta delituosa de PEDRO e VICENTE.
Sendo assim, urge reduzir a pena-base cominada aos demandados, eis que exasperada indevidamente. É de justiça, destarte, abrandar a pena-base de três anos para dois anos e seis meses de reclusão, sendo tal patamar suficiente para prevenção e repressão do delito. A pena de multa também se reduz, indo de catorze para doze dias-multa.
Procedendo a nova dosimetria, estabelecida a pena-base em dois anos e seis meses de reclusão e doze dias-multa, não há nada a apreciar na segunda-fase. Na terceira, incide a causa de aumento prevista no art. 71 do CP, à fração de um quarto, tal como estabelecido na r. sentença, tornando as penas definitivas em três anos, um mês e quinze dias de reclusão e quinze dias-multa.
No que tange à pretensão dos apelantes de reduzir o valor cominado a título de prestação pecuniária, é procedente o pedido. Na r. sentença, fixou-se essa pena restritiva de direitos em três salários mínimos por mês a entidade pública ou privada com destinação social, pelo prazo da pena privativa de liberdade substituída. Ora, isso, de acordo com a sanção privativa de liberdade estabelecida na decisão, equivaleria a cento e trinta e cinco salários mínimos, valor esse que não se justifica comparado com os precedentes desta Corte.
A fundamentação do decisum para fixar a prestação pecuniária no montante mencionado foi o prejuízo causado pelo delito. É de se ver, porém, que a pena de prestação pecuniária não possui em si o escopo de ser uma reparação integral do mal causado pelo injusto culpável, mas apenas um início de reparação, devendo se levar em conta, também, a capacidade econômica do réu. Quanto a este elemento, não há informação precisa nos autos de que os apelantes possuam alta capacidade econômica.
Sopesando as circunstâncias judiciais deste caso, tenho pra mim que se mostra adequado estabelecer a prestação pecuniária em dez salários mínimos, em vez de cento e cinquenta e cinco.
Diante do exposto, voto por dar parcial provimento à apelação interposta por PEDRO SEVERINO DE LIMA FILHO e VICENTE FERREIRA SOARES, reduzindo suas penas para três anos, um mês e quinze dias de reclusão e quinze dias-multa, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, a saber, uma prestação de serviços à comunidade e uma prestação pecuniária no valor de dez salários mínimos, mantendo-se, no mais, a r. sentença condenatória.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 18/04/2012 16:42:58 |