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O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR):
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Não é registrável como signo mercantil, por particular, a designação de ente público, tampouco indicação geográfica ou nome civil (art. 124, IV, IX e XV da Lei de Propriedade Industrial).
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Com efeito, não parece razoável atribuir, com exclusividade, a determinada sociedade empresária a exclusividade de uso de nome de um Município.
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No direito comparado, em caso francês (Case No. 15/24810, Atout France, Cour d'appel de Paris, Sept. 22, 2017), foi estabelecido que os estados detêm direitos sobre os nomes dos países respectivos, independentemente de registro - pois são elementos de identidade símiles a patronímicos -, de sorte que se promoveu à anulação da marca "France.com".
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Na mesma senda, a Corte Federal Alemã de Patentes considerou irregistrável os termos "Auerbach" (Case No. 25 W (pat) 41/15) e "Machu Picchu" (Case No. 25 W (pat) 7/15).
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A jurisprudência nacional disso não destoa, inclusive entendimento do Superior Tribunal de Justiça exarado no REsp 1092676 no sentido de que "A titularidade para registro de indicação geográfica é, em regra, coletiva, não cabendo direito de exclusividade a quem obtém o registro de marca que a contenha":
(...) EXCLUSIVIDADE DE UTILIZAÇÃO, EM MARCA, DE NOME DE RIO. DESCABIMENTO. (...)
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2. A titularidade para registro de indicação geográfica é, em regra, coletiva, não cabendo direito de exclusividade a quem obtém o registro de marca que a contenha.
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(REsp 1092676/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/05/2012, DJe 28/05/2012)
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No mesmo sentido, aponto julgados do TRF2 e do TRF5, um deles especificamente tratando de comercialização de água com nome da localidade da fonte:
PROPRIEDADE INDUSTRIAL. REGISTRO MARCÁRIO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. ÚNICO ELEMENTO NOMINATIVO. NOME DE CIDADE. INAPROPRIAÇÃO POR EXCLUSIVIDADE. Não é registrável marca nominativa cujo único elemento consiste em nome de cidade que não deve, portanto, ser excluído do uso da coletividade, tais como os algarismos, as letras etc. (inciso II, do art. 124, da LPI). Nome de lugar pode ser incluído em marca nominativa, mas não consistir em seu único elemento. Apelação a que se dá provimento. -
(AC 05186020320064025101. Des. Rel. Marcello Ferreira de Souza Granado, TRF2. Publicado em 19/12/2008).
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"É vedada a utilização de indicação geográfica - como Gravatá, por exemplo - para servir de marca comercial, na forma do Art. 124, IX da Lei 9.279/1996. Inteligência do dispositivo numa interpretação teleológica e sistemática com os artigos 177 e 182 da mesma Lei". (...) 7. Apelo da empresa LUANDA INDUSTRIAL E COMERCIAL LTDA. improvido. Apelo da empresa ÁGUA MINERAL GRAVATÁ INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA. provido, em parte". -
(AC 200183000213243, Desembargador Federal Francisco Wildo, TRF5 - Primeira Turma, DJ - Data::25/02/2005 - Página::741 - Nº::38.)
- Recentemente, esta Corte Regional também se posicionou no sentido de que o termo"Ribeirão Preto"não pode ser de titularidade exclusiva de qualquer marca:
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"Se a requerente procurou ligar sua marca ao local em que está sediada, é óbvio que terá que conviver com o direito de outras escolas particulares adotarem o mesmo expediente, sob pena, inclusive de estar se apropriando do nome de um ente público e a prevalecer a tese da autora, até mesmo o município de Ribeirão Preto poderia estar impedido de atribuir a uma de suas escolas públicas o seu próprio nome".
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(Ap 00018756620074036102, JUÍZA CONVOCADA TAÍS FERRACINI, TRF3 - QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/10/2017)
Mesmo parcela doutrinária, máxime estrangeira, que admite o registro de nome de cidade como marca, impõe como pressuposto necessário um alto grau de arbitrariedade na escolha (isto é, não pode ter uma relação de pertinência direta com o produto ou serviço) e desde que não seja capaz de incutir indevidamente a ideia de falsa procedência aos consumidores.
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Nesse sentido, o art. 181 da LPI prevê que"nome geográfico que não constitua indicação de procedência ou denominação de origem poderá servir de elemento característico de marca para produto ou serviço, desde que não induza falsa procedência".
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Atente-se: apenas pode ser elemento, e não a marca em si, e não pode guardar correlação com a gênese do produto.
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Tal parece ter sido o fundamento adotado em julgado do STJ que admitiu a existência da marca" Curitiba ":
"Na hipótese, o termo 'Curitiba' não se relaciona diretamente com o serviço cuja individualização se busca com o registro da marca - venda de veículos - tampouco com as características inerentes ao serviço identificado, motivo pelo qual não incide a vedação prevista no art. 124, inciso VI, da Lei nº 9.279/1996. -
3. O vocábulo 'Curitiba' não ostenta as características próprias de indicação de procedência ou denominação de origem cujo registro é vedado pela lei, pois a disciplina legal da registrabilidade de indicações geográficas pressupõe a notoriedade da região na elaboração de produtos ou prestação de serviços, nos termos do art. 182 da LPI, o que não se evidencia nestes autos. -
(...)
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4.2 No caso, apesar de as empresas (autora e ré) atuarem em ramos comerciais próximos, inocorreu a contrafação, senão a mera aplicação do vocábulo "Curitiba", que por si só não é capaz de ensejar o reconhecimento de utilização descabida de marca mista alheia.
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(REsp 1237752/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 05/03/2015, DJe 27/05/2015)
Não obstante, repare-se, primeiramente, que se trata de julgado anterior ao supracitado REsp 1092676 - que assentou, peremptoriamente, a inviabilidade de titularidade exclusiva de indicações geográficas -, inclusive no qual sai vencido o Ministro Luis Felipe Salomão, que seria o relator do acórdão posterior.
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Em segundo lugar, reconhece a possibilidade da existência da marca "Curitiba" apenas porque não tem qualquer relação com a produção de carros pela empresa titular; no caso em tela, todavia, a marca "São Lourenço" indica a própria procedência da água comercializada, não gozando de qualquer arbitrariedade que possa descaracterizar a vedação do art. 124, VI, da LPI.
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Ou seja, na verdade, trata-se de sinal descritivo comum de característica do produto:
"O registro de termo que remete a determinada localização geográfica no nome empresarial, por se referir a lugar, não confere o direito de uso exclusivo desse termo. - É permitido o registro de marca que utiliza nome geográfico, desde que esse nome seja utilizado como sinal evocativo e que não constitua indicação de procedência ou denominação de origem".
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(REsp 989.105/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/09/2009, DJe 28/09/2009)
Com efeito, é um sinal que sequer poderia ter sido registrado, já que implica, na prática, no monopólio da indicação geográfica da fonte aquífera.
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A indicação geográfica subdivide-se em indicação de procedência e denominação de origem.
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Indicação de procedência é o nome do local que tenha se tornado conhecido como centro de extração ou produção de determinado produto ou prestação de dado serviço (art. 177, LPI).
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Temos como indicações de procedência reconhecidas pelo INPI, por exemplo, Pelotas, para identificar doces tradicionais (IG 200901), e Franca, com relação a calçados (IG201012).
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Repare-se que qualquer produto, desde que promane de tais localidades, pode utilizar-se da indicação geográfica (art. 178, LPI), já que não se trata de marca. Por outro lado, o que a apelada fez, ao registrar como sinal mercadológico uma indicação de procedência, na prática, foi estabelecer o monopólio de tal identificação, em detrimento de todos os empresários congêneres da região, o que é inadmissível, principalmente considerando-se o mandamento constitucional da livre concorrência.
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Denominação de origem, por sua vez, é o nome de local que designe produto ou serviço cujas características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico (art. 178, LPI).
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Tem-se como denominação de origem, reconhecida pelo INPI, por exemplo, Porto (IG201013), com relação a vinhos. Assevera-se que as características mesológicas e climáticas particulares da região são determinantes para os caracteres da bebida ali produzida.
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Atente-se, novamente, que inexiste signo mercantil que possa arrogar-se a exclusividade na identificação da origem portuense; a denominação serve antes como uma espécie de selo de qualidade. Assim, temos a marca "Quinta do Valado", com a denominação de origem "Porto". As marcas "Feist" e "Ferreira", com símile apontamento, nenhuma podendo alegar infração de propriedade industrial.
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É discutível se "São Lourenço" poderia ser considerada uma denominação de origem, vez que poderia ser arguível alguma característica peculiar do líquido que promana da cidade, máxime considerando-se que, para ser considerada mineral, a água deve conter algumas características estabelecidas no Decreto-lei n. 7.841/1945 ( Código de Águas Minerais), o que não deixa de ser de certa forma uma marca de certificação (art. 123, II, LPI).
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Não obstante, independentemente da modalidade, fato é que uma indicação geográfica não pode ser exclusivamente titularizada para a identificação de produto ou serviço que guarda relação de pertinência com o local.
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Nesse sentido, decisão do Supremo Tribunal Federal que, embora vetusta, é hodiernamente aplicável ao caso, máxime por ter permitido a coexistência das marcas de água mineral "LINDOIA" e "LINDOYA":
"Marca. Propriedade industrial. Como marca, o nome Lindóia ou Lindóya é inapropriável, pertencendo cumulativamente a todos os concessionários de lavra estabelecidos em Águas de Lindóia. A proteção da marca é restrita à designação da fonte e ao respeito ao nome de fantasia, assegurando-se, outrossim, a exclusividade do rotulo".
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(RE 92556, Relator (a): Min. SOARES MUNOZ, Primeira Turma, julgado em 27/05/1980, DJ 13-06-1980 PP-04464 EMENT VOL-01175-02 PP-00623 RTJ VOL-00099-03 PP-00762)
Deveras, constava do registro de marca "LINDOIA", marca mista "sem direito ao uso exclusivo do termo nominativo" (RPI 1298, despacho 261; RPI 1326, despacho 300).
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A despeito de a apelante alegar que foi ela quem deu o nome à cidade, e não o contrário, repare-se que apenas houve pedido de registro em 01.07.1997 (RPI 1387, Despacho 003) e a titular da marca é uma sociedade originariamente estrangeira.
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O Município de São Lourenço, não obstante, existe oficialmente desde 01.04.1927.
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Além do mais, descabe uma análise paleontológica das origens da denominação. Fato é que, quando do pedido do registro (tempus regit actum), tal termo era irregistrável, ou, ainda que procedimento normativamente falho, dever-se-ia ao menos ressalvar a ausência de exclusividade do elemento nominativo.
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Esse, inclusive, tem sido o procedimento adotado pelo próprio INPI: com relação à marca mista de água mineral "CAXAMBU", há apostila constando "sem direito ao uso exclusivo da palavra Caxambu" (processo nº 811091309; RPI 762) - mesma solução adotada à marca mista de água mineral ARAXÁ (processo nº 811091317; RPI 1300) - não coincidentemente, todos municípios de Minas Gerais pertencentes ao Circuito das Águas, tal qual SÃO LOURENÇO.
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Dessa sorte, a autarquia, ao defender a validade da marca, adota aqui posicionamento contraditório com o que amiúde a própria adota administrativamente (venire contra factum proprium).
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Nessa senda, o Superior Tribunal de Justiça tem arrenegado do atributo da exclusividade as "marcas fracas", na verdade, alternativa adotada jurisprudencialmente para signos tão ausentes de distinção que sequer poderiam ter sido registrados em primeiro lugar:
"Marcas fracas ou evocativas, que constituem expressão de uso comum, de pouca originalidade e sem suficiente forma distintiva atraem a mitigação da regra de exclusividade do registro e podem conviver com outras semelhantes".
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(AgInt no AREsp 1062073/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 15/03/2018, DJe 20/03/2018)
Advirta-se, além do mais, que sequer há alegar possibilidade de confusão dos consumidores, consoante pode ser dessumido das fotos anexadas às fls. 66/76.
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Quiçá, exatamente por estar cônscia da ausência de distinção do elemento nominativo, a ré buscou adicionar elementos distintivos à sua marca, adotando uma fonte cursiva rubra em um rótulo branco com uma figura leonina e uma casa simulando a origem da empresa, além de uma garrafa de 300 ml com coloração esverdeada e formato específico (embora, aqui corretamente, o INPI reconheceu a ausência de exclusividade na figura da garrafa, fls. 76, 175 e 183).
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A autora, ao seu turno, tem um rótulo com matiz cerúleo e com representações de ondas d'água e com o elemento normativo "São Lourenço" em naval, seguido por "da Serra" em vermelho e em linha diversa, claramente dando realce ao segundo segmento, de maneira a distinguir o logotipo. Ainda, a autora comercializa galões de 20 e 10 litros, além de embalagens de 140 ml em formato bastante particular (fl. 69).
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Nesse contexto, a ausência de colisão semiótica é patente quando se atenta que São Lourenço da Serra é, inclusive, um município diverso do da apelante, localizado neste Estado de São Paulo, onde a autora - constituída em 1996 (fl. 24) - tem sua sede (fls. 20 e 25), além de ter obtido outorga do Ministério de Minas e Energia para lavrar água na localidade (fl. 59) - identificando, assim, seu produto - desde 1999 (fl. 66).
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Ou seja, mais do que inviabilizar a identificação geográfica da própria fonte aquífera, a ré objetiva a impossibilidade de identificação geográfica de qualquer local que tenha o nome do santo.
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Nessa senda, outrossim, tem se arrenegado o atributo de contrafação quando um sinal mercantil é formado por lexemas de baixa distinção e a marca complexa posterior possui elementos nominativos adicionais aptos a criar um conjunto semântico díspar (tout indivisible).
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No caso paradigmático francês, reconheceu-se que o registro da marca EAU DE ROCHE não infringiria a marca anterior ROCHE (Cass. 2 déc. 1974, Analles 1975, p.88).
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A jurisprudência do STJ disso não destoa...
"Faz-se necessário, para o exame do fenômeno da colisão de marcas, não somente a aferição do ramo de atividade comercial das empresas combatentes, mas deve-se apreciar também a composição marcária como um todo. É que a proteção da marca é limitada à sua forma de composição, porquanto as partes e/ou afixos de dado signo - ainda mais quando essencialmente nominativo - podem ser destacados e combinados com outros sinais, resultando em um outro conjunto simbólico essencialmente distinto. É o fenômeno da justaposição ou aglutinação de afixos em nomes, que podem constituir outras marcas válidas, no mesmo ramo de atividade econômica (v.g.: Coca-Cola e Pepsi Cola)".
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(REsp 862.067/RJ, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 26/04/2011, DJe 10/05/2011)
... já tendo afastado a colisão das marcas CHESTER e CHESTER CHEETAH (AgRg no REsp 1346089/RJ, DJe 14/05/2015), MACEDO e CHARQUE MACEDO (REsp 900.568/PR, DJe 03/11/2010) DECOLAR VIAGENS E TURISMO e "DECOLAR.COM" (REsp 773.126/SP, DJe 08/06/2009) FIESTA E MOÇA FIESTA (REsp 949.514/RJ, , DJ 22/10/2007, p. 271) TELEMAR e TELEMAC (AgInt no AREsp 1062073/RJ, DJe 20/03/2018) INSALATA e INSALATA FARINELLA (AgInt no REsp 1338834/SP, DJe 23/02/2017), dentre outros, inobstante os produtos e serviços respectivos fossem do mesmo ramo mercadológico.
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Na verdade, a própria convivência pacífica de décadas entre ambas as identificações mercantis demonstra, faticamente, a possibilidade de coexistência harmônica.
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Em suma, seja porque é inviável a exclusividade no uso de nome de município, seja porque se trata de munícipio diverso, seja porque os produtos são suficientemente distintos para não caracterizar, mesmo remotamente, possibilidade de confusão ao consumidor, não há negar o registro de marca da autora, dado que se apostile igualmente a ausência de exclusividade do elemento nominativo.
Ante o exposto, voto por DAR PROVIMENTO à apelação da autora, Radesco Mineração, e NEGAR PROVIMENTO ao recurso da ré, Nestlé Waters Brasil, para que o pedido seja julgado procedente e o INPI proceda ao registro da marca "São Lourenço da Serra" (processo nº 823194272), constando em apostila a ausência de exclusividade do elemento nominativo.
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Condeno as rés em honorários sucumbenciais que fixo em 15% do valor atualizado da causa.
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Como corolário, julgo improcedente a reconvenção, condenando a reconvinte em honorários fixados em 10% sobre o valor da causa originária, bem como devendo a mesma indenizar a reconvinda pelos prejuízos advindos da antecipação de tutela (fl. 576), consoante previsto no art. 302 do CPC, indenização a ser calculada quando da liquidação do julgado.