Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Inteiro Teor
| |
| | |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do réu para desclassificar a conduta de tentativa de importação de peças de arma de fogo por meio de transporte aéreo como prática do delito previsto no art. 334-A, II, e § 3º, do Código Penal, e reconhecer a atenuante de pena pela confissão, reduzindo a condenação do réu Fernando Mario Vieira Lima Sampaio para 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, regime inicial aberto, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos em favor de entidade beneficente (CP, art. 43, I, c. c. o art. 45, §§ 1º e 2º) e prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas (CP, art. 43, IV, c. c. o art. 46), pelo mesmo tempo da pena privativa de liberdade, cabendo ao Juízo das Execuções Penais definir a entidade beneficiária, o local de prestação de serviços e observar as aptidões do réu, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | ANDRE CUSTODIO NEKATSCHALOW:10050 |
Nº de Série do Certificado: | 11A21704266A748F |
Data e Hora: | 27/08/2019 10:59:20 |
| |
| | |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação criminal interposta pelo réu Fernando Mário Vieira Lima Sampaio contra a sentença que o condenou às penas de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, regime inicial semiaberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1 (um) salário mínimo vigente na data do fato, por prática dos crimes previstos no art. 334, § 3º, do Código Penal, e no art. 18, c. c. o art. 19, da Lei n. 10.826/03, ambos na forma tentada (CP, art. 14, II) e em concurso material (fls. 925/947).
O réu aduz, em resumo, o que segue:
O Ministério Público Federal obteve vista dos autos e requereu a remessa do processo a este Tribunal para "que as respectivas contrarrazões de apelação sejam apresentadas por membro que atua na 2ª instância (PRR)" (cf. fl. 1.052).
A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Janice Agostinho Barreto Ascari, requereu a redistribuição dos autos a outro membro da Procuradoria para a apresentação das contrarrazões (fl. 1.055).
O Ilustre Procurador Regional da República a quem os autos foram encaminhados, Dr. Vinícius Fernando Alves Fermino, manifestou-se no sentido de que estava "preclusa a oportunidade de o MPF falar em contrarrazões, diante da negativa do membro oficiante em primeiro grau em ofertá-las" (cf. fl. 1.056), e restituiu os autos.
A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Janice Agostinho Barreto Ascari, manifestou-se pelo parcial provimento da apelação, somente para que seja aplicada a atenuante de pena pela confissão com relação ao crime de tráfico internacional de arma de fogo (fls. 1.063/1.080).
É o relatório.
Encaminhem-se os autos ao Revisor, nos termos regimentais.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | ANDRE CUSTODIO NEKATSCHALOW:10050 |
Nº de Série do Certificado: | 11A21704266A748F |
Data e Hora: | 13/06/2019 15:18:40 |
| |
| | |
VOTO
Imputação. O Ministério Público Federal denunciou Fernando Mário Vieira Lima Sampaio por prática dos crimes previstos no art. 334, § 3º, do Código Penal, e no art. 18, c. c. o art. 19, da Lei n. 10.826/03, ambos na forma tentada (CP, art. 14, II) e em concurso formal (CP, art. 70), bem como denunciou Sônia Maria Vieira por prática do crime previsto no art. 334, § 3º, c. c. o art. 14, II, do Código Penal, em virtude de fatos ocorridos em 12.12.14, nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP).
A denúncia narra o que segue:
Extinção da punibilidade. Corré Sônia. A corré Sônia Maria Vieira aceitou oferta de suspensão condicional do processo (Lei n. 9.099/95, art. 89) e teve a punibilidade extinta após cumprir as condições da proposta (fl. 930).
Identidade física do juiz. Nulidade relativa. A Lei n. 11.719, de 20.06.08, publicada no DOU de 23.06.08 e que entrou em vigor 60 (sessenta) dias depois, em 23.08.08, acrescentou o § 2º ao art. 399 do Código de Processo Penal, dispondo que o juiz que presidiu a instrução a instrução deverá proferir sentença. Foi portanto introduzido no processo penal o princípio da identidade física do juiz, anteriormente instituído no art. 132 do Código de Processo Civil, que por sua vez dispõe mais pormenorizadamente a respeito, ressalvando as hipóteses em que o juiz estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, além de prever que, em qualquer hipótese, o juiz que proferir a sentença, se entender necessário, poderá mandar repetir as provas já produzidas. Permitida a analogia no processo penal (CPP, art. 3º), cumpre observar as disposições do art. 132 do Código de Processo Civil e, em consequência, a jurisprudência que se formou a respeito, no sentido de que o eventual descumprimento do preceito resolve-se em nulidade relativa a demandar comprovação pela parte interessada de prejuízo concreto (NEGRÃO, Theotonio et al. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 41ª ed., São Paulo, Saraiva, 2009, p. 275, nota 2 ao art. 132), consoante ademais acabou por decidir o Superior Tribunal de Justiça:
Do caso dos autos. O apelante sustenta que o princípio da identidade física do juiz e seu respectivo dispositivo legal (CPP, art. 399, § 2º) não foram observados, a ensejar o reconhecimento da nulidade da sentença "proferida por Magistrado que não participou de qualquer ato da instrução, em que pese a ilustre Magistrada que a presidiu se encontrasse no pleno exercício da jurisdição" (cf. fl. 1.024).
Não lhe assiste razão.
A MM. Juíza Federal Luciana Jacó Braga, que em 18.06.15 presidira a audiência de instrução (fl. 404), removeu-se da 5ª Vara Federal de Guarulhos (SP) para a 15ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Subseção Judiciária de São Paulo em 27.09.17, consoante a Resolução n. 3/17 da Subsecretaria do Órgão Especial e Plenário deste Tribunal, disponibilizada na Edição n. 182/17 do Diário Eletrônico da Justiça Federal da 3ª Região. No mesmo ato, restou publicada a remoção do MM. Juiz Federal Bruno César Lorencini da 2ª Vara Federal de Dourados (MS) para a 5ª Vara Federal de Guarulhos (SP).
Rejeito a alegação de nulidade, portanto, pois com a remoção configurou-se ressalva à incidência do princípio da identidade física do juiz (CPP, art. 399, § 2º), com a devida publicidade haja vista a disponibilização dos respectivos atos de remoção dos Juízes Federais no Diário Eletrônico da Justiça Federal.
Sentença. Fundamentação deficiente. Nulidade por ofensa ao art. 93, IX, da Constituição da República. Não ocorrência. Segundo entendimento já pacificado pelo Supremo Tribunal Federal, somente a inexistência de fundamentação constitui causa de nulidade da decisão por ofensa ao art. 93, IX, da Constituição da República:
Do caso dos autos. O réu aduz a nulidade da sentença por cerceamento do direito à análise e valoração de provas e de argumentos defensivos produzidos por sua defesa, em especial relacionados ao ofício à fl. 599, ao parecer técnico às fls. 660/666, ao documento de compra às fls. 668/670 e ao parecer técnico às fls. 862/873.
Sustenta que o devido exame desses documentos e das alegações extraídas a partir deles renderia ensejo ao reconhecimento da atipicidade da conduta, do erro de tipo ou, ao menos, da exclusão da majorante de pena prevista no art. 19 da Lei n. 10.826/03.
Não lhe assiste razão.
O Juízo a quo indicou expressamente as provas técnicas, os dispositivos legais e trecho de doutrina que conformaram seu convencimento a respeito da tipicidade e da materialidade do fato (fls. 931/934).
Trata-se de fundamentação suficiente à sentença condenatória, ainda que não tenha exaurido cada um dos argumentos apresentados pela defesa do acusado ao sustentar as teses de atipicidade, erro e não incidência da majorante de pena prevista no art. 19 da Lei n. 10.826/03, não acolhidas pelo Juízo a quo.
Rejeito, portanto, a alegação de nulidade da decisão.
Tipicidade. O réu aduz que a conduta classificada como tráfico internacional de acessório de arma de fogo é atípica, uma vez que o material apreendido não se caracteriza como acessório dessa natureza consoante a prova técnica produzida nos autos e a definição legal do art. 3º, II, do Decreto n. 3.665/00.
Ressalta, nesse sentido, o conteúdo da documentação à fl. 668/670; a perícia elaborada pela Polícia Federal reconhecer que não seria possível montar uma arma de fogo apenas com as peças de armação como se encontravam; o trecho do parecer técnico que menciona as peças não serem consideradas arma de fogo ou acessório; a perícia do Arsenal de Guerra concluir que se trata de armação inacabada, pendente de fresa e furação; o material não corresponder à previsão legal do art. 3º, II, do Decreto n. 3.665/00; a lei não criminalizar peças de arma de fogo como objeto material do crime, tratando-se de lacuna legislativa que não se pode colmatar em prejuízo do réu; o desacerto da sentença ao afirmar que o réu, engenheiro civil, poderia facilmente realizar os ajustes de usinagem necessários; a presunção de perigo, no caso, não ser absoluta nem abranger matéria-prima ou artefato inacabado; e o erro na classificação das chapas como acessórios de arma de fogo, pois a perícia teria concluído a absoluta impropriedade do objeto.
Assiste-lhe razão.
O primeiro exame pericial (Laudo n. 801/2015 - NUCRIM/ SETEC/SR/DPF/SP) descreveu os objetos apreendidos e, em seguida, passou à resposta dos quesitos, nos seguintes termos:
A resposta ao Quesito n. 8.4 esclarece a questão da tipificação em favor do réu: trata-se de material que "serve para montar arma de fogo", "é acessório para a recarga de munição". Note-se: não se trata de "arma de fogo, acessório ou munição".
O chassi ou lower receiver é peça essencial da arma de fogo. Não se trata de acessório, que se caracteriza como algo secundário, não fundamental, que se acrescenta a uma coisa sem fazer parte integrante dela.
As peças em questão - chassi ou lower receiver - são essenciais à arma de fogo: sem elas, não há arma de fogo. O acessório, claro está, pode ser agregado ou não sem descaracterizar a arma de fogo enquanto tal, como ocorre com o usual exemplo da mira telescópica.
Mutatis mutandi, o mesmo vale para a seladora de gás (gas check), cujo emprego é a recarga de projéteis, e a balança de precisão - não há como inclui-las como "acessório" da arma de fogo.
Por outro lado, impõe-se reconhecer que não se trata de material de livre importação, exigindo-se, em virtude de sua natureza, licença prévia e autorização do Exército Brasileiro.
Nesse sentido, convém ressaltar o disposto nos arts. 185 e 203, parágrafo único, do Decreto n. 3.665/00 (Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados):
Logo, a conduta do acusado configurou a infração penal prevista no art. 334-A, II, do Código Penal, com incidência da causa de diminuição pela tentativa (CP, art. 14, II) e da causa de aumento pelo cometimento do delito por meio de transporte aéreo (CP, art. 334-A, § 3º), ambas as circunstâncias descritas na denúncia.
Procedo conforme o art. 383, caput, do Código de Processo Penal para dar o réu como incurso nas penas do art. 334-A, II, e § 3º, c. c. o art. 14, II, do Código Penal.
Materialidade. Contrabando. A materialidade do delito está satisfatoriamente comprovada em razão do que segue:
Autoria. Contrabando. A autoria do delito está comprovada.
A testemunha Marcelo Cardoso Teobaldo, Analista Tributário da Receita Federal, declarou em Juízo que, na data dos fatos, operava o equipamento de raio-x no local para onde os passageiros selecionados no canal "nada a declarar" são enviados. Realizava o procedimento padrão junto ao pórtico do equipamento, que apitou com a passagem do réu. O réu passou novamente, retirou o relógio, mas o apito continuou. Na sequência, a senhora que o acompanhava não passou pelo pórtico porque estava em cadeira de rodas. A bagagem do réu passou pelo exame de raio-x, que indicou a presença de peças metálicas, o que também aconteceu com a bagagem da ré. Seguiu-se a inspeção física, que ensejou a identificação de uma peça que seria de uma arma e de uma pequena balança para pesagem de pólvora. Seguiu-se a inspeção física do passageiro, que trazia algumas pedras junto ao corpo. O réu afirmou que trazia peças de carro a pedido de terceiro. O depoente não teve acesso direto a comprovantes de pagamento. Havia em poder do réu um invoice da peça, não sabe se estava em nome do réu, e atrás do invoice havia uma fatura de cartão de crédito. Também foi encontrado um abafador de tiros em cada uma das malas, assim como em cada uma delas havia uma balança e um chassi que seria de arma. As vistorias foram realizadas em duas bancadas separadas, uma colega do depoente procedeu à fiscalização da ré Sônia. O réu disse que a balança eletrônica era para pesar joias. Depois que as joias foram encontradas junto ao seu corpo, o réu disse que participava de várias feiras ao redor do mundo, mas o depoente não se recordava se ele havia dito a exata procedência das joias apreendidas. Não se lembrava de onde o réu estava vindo. O réu disse que viajava para feiras para contatos de negócios de joias. Antes de localizarem as peças, a ré estava em cadeira de rodas. Depois, ela foi ao banheiro e à Delegacia andando sem o auxílio da cadeira. O depoente trabalha na Alfândega da Receita Federal. Não tem qualificação técnica para afirmar que a peça era arma de fogo, não conseguiria diferenciá-la de uma de paintball. A ré não relatou que possuía pinos metálicos no joelho. Não se recordava exatamente qual era o documento que mencionou como invoice, lembrava-se apenas que atrás dele havia uma fatura de cartão. Não saberia dizer se as peças indicadas no invoice seriam as apreendidas em poder do réu ou por ele adquiridas (mídia eletrônica à fl. 410).
A testemunha Vanderley Lino dos Santos, Vigilante da Receita Federal, afirmou em Juízo que só tivera contato com armas na escola de formação. Quanto aos fatos, sua participação deu-se quando houve a revista do réu, foi chamado a acompanhá-la. O réu levava joias no sapato e nas meias. Não conversou com ele, só acompanhou a revista. Não acompanhou o restante do flagrante. Não abriu as malas, só presenciou quando um servidor da Receita o fez. A peça de arma estava dentro da mala. Soube que era peça de arma depois que o agente da Polícia Federal identificou o objeto. Havia abafador auricular também. Presenciou a mãe do acusado andar. Ela aparentemente chegou em cadeira de rodas, mas depois passou a andar. Foi informado pelo Agente que a peça era de fuzil. O depoente não sabia montar e desmontar arma, sabia apenas disparar (mídia eletrônica à fl. 410).
A testemunha Liliana Maciel Simeone, Analista da Receita Federal, declarou em Juízo que, na data dos fatos, a ré não passou pelo pórtico por estar em cadeira de rodas. Primeiramente, ela disse que não se locomovia e deixou de passar, porque provavelmente o pórtico iria apitar. A mala dela passou pelo scanner e foram assim identificadas a balança de precisão e as peças metálicas. Encaminhou-a à bancada, abriu a mala e separou as peças metálicas dos itens de uso pessoal. A ré mostrou-se dissimulada, na visão da depoente, porque não queria responder às perguntas. O acusado primeiro negou que a ré fosse genitora dele. Depois ele admitiu que eram mãe e filho. Eles estavam juntos, mas ela passou primeiro. Dispôs os bens na bancada, separando os que eram tributáveis. A ré só mostrou algum nervosismo quando viu a gravidade da situação. Até então, ela não colaborava. Depois disso, a ré passou a pedir para ir ao banheiro, foi três vezes, mas andando sem precisar de ajuda ou do auxílio da bengala que ela trazia. Ela negou a ajuda oferecida, disse que sabia andar sozinha, e dentro do banheiro ela não usou a bengala, que deixou encostada na bancada. A depoente acreditava que a ré pudesse ter uma pequena dificuldade de locomoção, mas não um efetivo problema. Revistou as malas e encontrou um abafador auricular. As malas dos réus estavam idênticas, muito parecidas, e havia peças metálicas em ambas. Quando as viu na bancada, pensou que não poderia ser coincidência. Esperou que eles admitissem, mas só no último momento eles o fizeram. A ré dizia que o filho sabia do que se tratava e ficava jogando palavras cruzadas. Depois da revista, o réu disse que eram mãe e filho. Conversou muito pouco com o réu. A depoente restringiu-se a verificar a situação da ré, ao passo que seu colega, Marcelo, ficou com Fernando. A peça encontrada na mala da ré era quadrada, não sabia dizer o que era porque não conhecia. A ré disse não saber de quem era, disse que haviam colocado a peça na mala dela. Não perguntou ao réu o que era a peça metálica, até então ainda não sabiam que ele era filho da ré. O Agente da Polícia Federal chegou, olhou para a peça e disse que era de fuzil. Não sabia e, quando há dúvida, chamam a Polícia Federal. A ré é uma pessoa idosa. A atitude da ré pareceu proposital. Ela não respondia às perguntas, dizia "colocaram na minha mala", "isso é do meu filho". Não há um protocolo de atendimento à pessoa idosa, existe certa forma de tratamento diferenciado, que foi feito pela depoente. Acompanhou a ré até o banheiro. Não viu pinos no joelho dela, ela entrou no banheiro e fechou a porta. A ré não mostrava dificuldade de compreensão, ela fazia as palavras cruzadas, conversava com a depoente. Ela sabia o que havia na mala, mas quando indagada sobre os objetos dizia que eram do filho. Eles haviam chegado de Dallas. A mala era típica de viajante, com a exceção da balança de precisão e demais bens que chamaram a atenção da Receita Federal. Também havia alguns bens novos que a depoente separou para tributação. Não se recordava do nome do Agente que avaliara a peça metálica dizendo que era de fuzil (mídia eletrônica à fl. 410).
A testemunha Luciane Macieira Serra, Agente da Polícia Federal, declarou em Juízo que se recordava do caso do acusado, em que fora chamada para revistar a senhora Sônia, que estava em uma cadeira de rodas mas dizia conseguir andar - o que de fato ela fez até a área da revista. O sutiã dela continha pacotinhos fechados, bem embalados. Não abriu, eles ficaram com a Analista da Receita Federal Liliana. Dava para ver que eram joias, brincos. Não conferiu quantidades. Só fez a revista, a ré foi ouvida na Delegacia. Quando chegou, estava tudo já exposto no balcão, o caso já estava andamento. Havia peças de metal no balcão que haviam sido encontradas tanto na mala do réu quanto na da acusada. O réu pediu que procedesse à revista com certa gentileza, pois a acusada era pessoa idosa. E ele também disse que todos os objetos eram dele. Eles vinham dos Estados Unidos. Não sabia qual era a finalidade dos bens. Em seu entendimento, as peças pareciam ser de arma de fogo. Não acompanhou todo o flagrante, fez apenas a revista. Achou um pouco exagerado o uso de cadeira de rodas pela ré. Quando ofereceu de empurrar a cadeira de rodas, ela rejeitou e seguiu andando. Não havia problema de locomoção na visão da depoente, embora não fosse especialista (mídia eletrônica à fl. 410).
A testemunha Celia Oliveira Souza Catussi declarou em Juízo que conhecia o réu havia mais de dez anos. A atividade comercial do réu em Londrina era a função de "publisher" da revista Wink. Teve mais contato com ele nos últimos anos por conta da revista, cujos serviços a depoente contratava. Trabalhava em uma construtora e mantinha contato com o réu por meio do departamento de marketing. Usava a revista como mídia, acha que até hoje isso é feito. A decisão de anunciar adveio da qualidade da revista. Não teve nenhum conhecimento de fato desabonador da conduta do réu. Londrina (PR) é uma cidade pequena, as pessoas se conhecem. Conhecia os dois réus. O réu jamais disse que trabalhava com joias. Não sabia se alguém da família dele trabalhava com joias. As pessoas em Londrina (PR) surpreenderam-se com a prisão do réu, até a família dele. Ninguém entendeu o que havia acontecido. Estimava que a ré Sonia estivesse com idade entre 60 (sessenta) e 65 (sessenta e cinco) anos Soube que ela era doente, mas a encontrava muito pouco. Não poderia confirmar se ela estava sempre em cadeira de rodas. Já viu a ré caminhando. Geralmente encontrava a ré sentada, mas nunca reparou nisso. Não tinha conhecimento de dificuldades financeiras que o réu passava, seu contato era mais comercial. Não sentiu diferença com relação ao padrão de vida do réu. Nunca conversaram sobre armas de fogo. Ouviu que o tio do réu estava muito surpreso com a situação da arma e com a situação em geral. O réu apresentava-se como "publisher", relações públicas da revista, como constava no site. Não sabia se mais alguém da família dele trabalhava na revista. A publicação era voltada ao público de classe média alta, por isso trabalhavam como parceiros de mídia. Costumavam publicar matérias de vestuário, moda feminina, viagem e eventos sociais. Nunca observou a família dele em publicações sociais. Lembrava-se de talvez ter visto algo sobre um aniversário dele (mídia eletrônica à fl. 410).
A testemunha Erivelto Catussi declarou em Juízo que conheceu o réu Fernando na Universidade Federal de Londrina, onde ele foi seu aluno no curso de Engenharia. Depois de algum tempo, encontraram-se porque o réu possuía uma revista em que a esposa do depoente postava anúncios. Além disso, encontravam-se sempre em eventos. O réu também disse que estudou Direito na Universidade de Londrina. A empresa em que a esposa do depoente trabalhava fazia publicidade na revista do réu. Sabia que o réu exercia essa atividade profissional. Não conhecia nenhum fato desabonador da conduta do réu. O réu era conhecido socialmente em Londrina (PR), principalmente em razão da revista. Nunca soube que o acusado vendesse joias. Só ficou sabendo do fato posteriormente, inclusive porque foi noticiado nos jornais. A prima do réu é sua vizinha, encontrava-se com o réu e a genitora dele em festas no local, eventualmente. Não eram, porém, amigos íntimos. Pelo que saiba, ninguém da família do réu vendia joias. Também não sabia de alguém do círculo de pessoas próximas do réu que fizesse algo do tipo (mídia eletrônica à fl. 410).
Na fase investigativa, o réu declarou que viajara aos Estados Unidos junto com a genitora, que o acompanhava para realizar compras de natal. Aproveitou a viagem e adquiriu algumas joias, gastou cerca de US$ 100.000,00 (cem mil dólares norte-americanos). Tentou passar com as joias junto ao corpo a fim de não ser tributado. Pediu que a genitora carregasse algumas das joias. Um primo de Londrina (PR) adquirira algumas peças de arma e solicitara que a entrega fosse realizada no endereço em que o interrogado estava. O primo chamava-se Rafael Abrão e havia dito que eram peças de armas de pressão. Informou o telefone para contato do primo, cujo endereço não soube especificar. Quanto ao pedido de carregador de pistola .45 ACP, fora adquirido para um amigo chamado Renato Souza, também morador de Londrina (PR), cujo telefone e endereço não soube esclarecer. Não trouxe o carregador para o Brasil. Efetuou a compra do carregador com cartão de crédito de que era titular. As balanças de precisão já lhe pertenciam havia tempo e eram usadas para pesar joias. As balanças estavam nos Estados Unidos, na casa de parentes em Nova Iorque. Não era proprietário de loja de joias, era dono de uma empresa em Londrina (PR), chamada 1200 Editores Associados S/C. Adquirira as joias mediante pagamento em espécie. Ao sair do País, tinha consigo R$ 9.500,00 (nove mil e quinhentos reais). A genitora levava a mesma quantia. Não estivera em nenhuma loja de armamentos para adquirir as peças e acessórios apreendidos em seu poder. Quem arrumou as malas foi o interrogado, responsável por dividir as peças e os acessórios de arma parte em sua mala, parte na mala da genitora. Assim procedeu por força do hábito. Disse que não trouxe para o Brasil a pedra avaliada em US$ 245.000,00 (duzentos e quarenta e cinco mil dólares norte-americanos). Esse era apenas o valor de avaliação, não era o respectivo valor de mercado. Ninguém jamais pagaria todo esse valor. Não comprou ou pagou o valor, havia apenas uma perspectiva de vendê-la. Escondeu as joias e pedras preciosas junto ao corpo para tentar iludir a Receita Federal do Brasil (fls. 8/9).
Em Juízo, o réu afirmou que nunca fora processado, residia em Londrina (PR) e era sócio majoritário de uma editora chamada 1.200 Editores Associados. É engenheiro e advogado. A genitora sofreu uma queda de uma escada há dez anos e quebrou o joelho direito. Ela tem seis ou sete pinos no joelho e tem dificuldade de permanecer por muito tempo em pé. No caso da viagem, não tentou iludir o Estado com o uso de cadeira de rodas pela genitora. Em todas as viagens, costuma solicitar a cadeira de rodas após o desembarque. A genitora tem dificuldade de locomoção, especialmente depois dos voos, mas não é impossibilitada de se locomover. É algo que ocorre por pouco tempo, cerca de meia hora, às vezes apenas logo após o traslado da aeronave para o saguão. O interrogado é filho único e sua mãe é extremamente dependente. Embora ela não seja uma pessoa muito idosa, sua vida já está bastante "estreitada", não é uma pessoa que consegue concatenar as ideias como há vinte anos. Na data dos fatos, ela estava em uma situação crítica, apavorada. Não se tratava de não colaborar. Além disso, a genitora é fumante inveterada e estava sem fumar há cerca de treze horas. No tocante às joias, comprou-as para revender porque o valor no exterior era muito atraente. Decidiu correr o risco, pois, se declarasse, não valeria a pena. Comprou as joias e tentou safar-se do tributo. No tocante à balança de precisão, era para pesar a joia. O restante, o seu primo pedira-lhe para trazer. O interrogado é uma pessoa que jamais traria peça de arma de fogo conscientemente, tanto que no próprio site de venda da peça estava escrito que não se tratava de arma de fogo. Jamais iria "se queimar" por algo assim, especialmente sendo advogado. Odeia armas de fogo. Adquiriu as peças tendo certeza de que não era arma. Jamais concebeu que aquilo fosse assemelhado a uma peça de arma de fogo. Não iria expor a própria genitora a uma situação dessas. Confiou no primo, que disse que seria um acessório de paintball. Ele mandou o link com o endereço eletrônico da compra. Quando viu que não era uma arma de fogo, a seu ver, o assunto estava resolvido. O primo ficou apavorado, pois, na verdade, sabia que causara o problema. Ele fugiu, o interrogado ficou muito decepcionado. Quer acreditar que ele não o tenha enganado, ao mesmo tempo em que não entende o abandono dele. O primo simplesmente "evaporou", os advogados até tentaram contato com ele. Ele é advogado e a esposa dele tem uma empresa de eventos. Sabe que ele é envolvido com eventos de paintball, times, etc. Pelo que saiba, ele nunca fora preso. O interrogado trouxe todas as joias que comprara. Havia uma pessoa interessada em adquirir uma peça de US$ 245.000,00 (duzentos e quarenta e cinco mil dólares norte-americanos). Trazia consigo apenas a certificação da joia para entrega ao interessado. Estava começando no negócio de joias, prospectara clientes e estudava se valeria a pena, por isso acabou fazendo a compra. Já havia prospectado valores, mas foi a primeira aquisição. Não fez toda a compra de uma só vez, apenas trouxe de uma única vez. Fez duas ou três viagens anteriores. O montante principal usado para adquirir as joias foi fruto de um empréstimo com familiares que residiam nos Estados Unidos. Não levou mais dinheiro do que o permitido para sair do País. Sua genitora é uma grande parceira e, na medida do possível para ambos, sempre viajam juntos. Dessa vez, o intuito da viagem era realizar compras de natal. O documento relativo ao carregador .45 foi de uma compra que tinha feito havia algum tempo para uma pessoa que residia no exterior, foi um favor. Estava com o papel apenas para confirmar se havia dado certo. Era para uma pessoa que morava nos Estados Unidos e não tinha cartão de crédito. Estava com a cópia apenas para verificar se a compra havia dado certo e sido despachada, não recebera o objeto em mãos. Era um favor para um amigo de um amigo, foi uma grande besteira. Já havia feito a compra há meses. O endereço indicado é o de sua família no exterior. Sabia o que era, porém, como o objeto não iria entrar no Brasil, e é produto de fácil venda nos Estados Unidos, não se preocupou. A compra não foi sequer efetivada. Indicou o endereço de familiares porque seria mais fácil do que indicar endereço de terceiro. Rafael não costumava viajar, ele pedira um favor. Não estava certo sobre quem havia adquirido as peças, se o próprio interrogado ou o primo, lembrava-se de ter visto o site e a informação de que não era arma de fogo. O valor era algo em torno de dois dígitos, era barato. O frete para importação era mais caro. Não estava acompanhado por advogado na data da prisão. Estava desesperado. O Delegado praticamente o obrigou a confessar. Poderia exercer o direito de permanecer calado, mas ele disse que prenderia a genitora. Diante disso, preferia morrer, queria que a mãe fosse liberada. Não aguentava ver a própria genitora chorando em uma cadeira de rodas. Não se arrepende do que declarou porque assim não ficou como responsável pela prisão da própria mãe. Sentiu-se muito cerceado em sua defesa, pois nunca em sua vida esteve em uma Delegacia. Tem bons antecedentes, residência fixa, é arrimo de família, não era um crime violento. Com todos os dados abonadores em seu favor, com o passaporte apreendido, ainda assim foi preso, deixando a família desamparada, especialmente a mãe. Questiona-se, pois era um cidadão normal, pagador de impostos. No caso das joias, estava errado. Mas, no caso da acusação de armas, tem certeza de que não cometeu o delito. Considera duro tentar ser um cidadão de bem e ter a vida assim desestabilizada. Sente que teve a oportunidade de defesa negada. Na data da audiência, estava preso e convivendo com sequestradores, estupradores e assassinos. Não era isso o que havia plantado para a sua vida. A denúncia menciona a palavra "aparentemente", o que deveria ser interpretado em seu favor. Sempre fez o seu melhor, houve algo pontual, fortuito (mídia eletrônica à fl. 410).
Analisados os autos, há prova satisfatória de que o réu é o autor da conduta de importação das peças para cuja internalização era exigível o consentimento da autoridade competente, consoante os depoimentos das testemunhas Marcelo, Vanderley, Liliana e Luciana, bem como o próprio relato do acusado, que admitiu ser responsável por distribuir os objetos nas bagagens de viagem (da genitora, inclusive) a fim de internalizá-los, embora negue que estivesse consciente da ilicitude do fato e afirme que terceiro (Rafael Abrão) seja o verdadeiro adquirente dos produtos ilícitos.
Erro de tipo. Conceito. Assim Guilherme de Souza Nucci conceitua o erro:
Do caso dos autos. O réu aduz o erro de tipo e, subsidiariamente, o erro de proibição como causa excludente ou de atenuação da pena.
Sustenta que agiu convicto de não deter em sua posse arma de fogo ou acessório, mencionando nesse sentido o anúncio do objeto às fls. 668/670 e o ofício à fl. 599, e afirma ter orientado seu comportamento considerando as informações do fabricante, no sentido da licitude do produto.
Não lhe assiste razão.
Não convence a justificativa de erro de tipo por parte do acusado.
O réu afirma ter consultado o sítio eletrônico de venda do produto e visto alerta sobre a mercadoria não ser arma de fogo, o que lhe teria inspirado confiança na licitude da conduta.
No entanto, o recorte do anúncio eletrônico do produto demonstra que se tratava de uma peça "80% AR-15 Lower Receiver" (cf. fls. 669/670), o que remete, mesmo para indivíduo leigo no assunto, à noção de rifle/fuzil de assalto AR-15, armamento de uso restrito e de importação proibida, não sendo crível que o réu ignorasse as exigências de importação das peças para a montagem do artefato.
O fato de que o acusado primeiro declarou aos agentes de fiscalização que as armações eram peças de carro é sintomático de que estava ciente da natureza e das restrições à internalização do material.
Em contrapartida, o réu não se desincumbiu do ônus de demonstrar (CPP, art. 156) que o primo Rafael Abrão era o verdadeiro adquirente dos produtos e que havia assegurado que seriam de importação livre/lícita e uso restrito a atividades recreacionais.
É inviável, portanto, acolher a tese de erro de tipo.
No mais, a defesa promoveu a juntada de ofício do Departamento de Justiça Americano - Divisão de Álcool, Tabaco, Arma de fogo e Explosivos, cuja conclusão é a seguinte:
O documento diz respeito a um questionamento específico - o enquadramento, por departamento administrativo de país estrangeiro (Estados Unidos da América), da peça como "arma de fogo".
No entanto, o réu é cidadão brasileiro e com alto grau de instrução, sendo dele exigível que pautasse o seu comportamento conforme a legislação nacional, que é notoriamente mais rígida do que a legislação norte-americana no tocante à disseminação de armas de fogo, acessórios, munições e produtos análogos.
Não é, assim, viável tratar o caso como resultado de erro por parte do réu, escusável ou não, acerca do conhecimento das normas internas (CP, art. 21), tampouco é razoável aceitar que o informe do sítio eletrônico do fabricante bastasse para suscitar no acusado a plena confiança de que agia em consonância com a legislação pátria.
Comprovadas a tipicidade, a materialidade e a autoria do delito, à míngua de causas excludentes da responsabilidade penal, resta mantida a condenação do réu.
Materialidade. Descaminho. A materialidade do delito de descaminho está satisfatoriamente comprovada em razão do que segue:
Autoria. Descaminho. A autoria do delito de descaminho não restou impugnada e está comprovada considerando a confissão do acusado e os depoimentos das testemunhas Marcelo, Vanderley, Liliana e Luciana, que estavam presentes à data da prisão em flagrante do réu pela internalização dos produtos de joalheria de considerável valor, os quais trazia junto ao corpo, de forma escondida, visando evitar o devido recolhimento tributário.
Passo à análise da dosimetria.
Dosimetria. Descaminho de joias. Na sentença, as circunstâncias judiciais consistentes em culpabilidade, personalidade, conduta social, motivos, consequências e conduta da vítima não foram valoradas de forma negativa. No entanto, o Juízo a quo valorou negativamente as circunstâncias do crime haja vista o expressivo montante de tributos iludidos, considerando que as joias e os diamantes apreendidos têm, respectivamente, seu valor estimado em R$ 1.219.628,74 (um milhão, duzentos e dezenove mil, seiscentos e vinte e oito reais e setenta e quatro centavos) e R$ 281.070,43 (duzentos e oito mil, setenta reais e quarenta e três centavos) (fls. 580 e 593). Assim, a pena-base foi fixada acima do mínimo legal, em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão.
Na segunda fase, incidiu a atenuante da confissão (CP, art. 65, III, d) e a pena foi reduzida em 4 (quatro) meses, passando a 1 (um) ano de reclusão.
Na terceira fase, incidiu a causa de aumento prevista no art. 334, § 3º, do Código Penal, e a pena foi dobrada, passando a 2 (dois) anos de reclusão.
Em seguida, incidiu a causa de diminuição pela tentativa (CP, art. 14, II), à razão mínima de 1/3 (um terço), pois que o réu fora detido muito próximo de ludibriar a fiscalização alfandegária ao optar por passar pelo canal "nada a declarar". A pena foi reduzida para 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão, resultado definitivo para esse crime.
Dosimetria. Contrabando de acessórios de arma. Na sentença, em que o cálculo correspondente a esse fato foi dosado conforme a tipificação do tráfico internacional de acessório de arma de fogo (Lei n. 10.826/03, art. 18), não foram reconhecidas circunstâncias judiciais desfavoráveis (CP, art. 59) e a pena-base foi fixada no mínimo legal, 4 (quatro) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1 (um) salário mínimo considerando haver demonstração de que o réu possuía boas condições econômicas, em especial as sucessivas viagens ao exterior e sua atuação profissional na área editorial.
Não foram reconhecidas circunstâncias agravantes ou atenuantes.
Na terceira fase, incidiu a causa de aumento de pena prevista no art. 19 da Lei n. 10.826/03 (acessório de uso restrito), na fração de 1/2 (metade), e a pena foi majorada para 6 (seis) anos e 15 (quinze) dias de reclusão.
Em seguida, incidiu a causa de diminuição de pena pela tentativa (CP, art. 14, II), à razão de 1/3 (um terço), pois que o réu fora detido muito próximo de ludibriar a fiscalização alfandegária, após optar passar pelo canal "nada a declarar". A pena foi reduzida para 4 (quatro) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, resultado definitivo para esse crime.
Concurso material de crimes (CP, art. 69). O Juízo a quo somou as penas e obteve a condenação definitiva do réu, fixada em 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa.
Foi fixado o regime inicial semiaberto, com fundamento no art. 33, § 2º, b, e § 3º, do Código Penal.
Em virtude da quantidade de pena aplicada, não houve substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (CP, art. 44, I).
No tocante ao crime de descaminho, o réu apela para que a pena seja readequada considerando o enorme prejuízo suportado e a ausência de efetiva supressão ou redução de tributos em decorrência de sua conduta, bem como seja excluída a causa de aumento prevista no art. 334, § 3º, do Código Penal; quanto à importação de acessório de arma, apela para que incida a atenuante da confissão (CP, art. 65, III, d), para que seja excluída a causa de aumento do art. 19 da Lei n. 10.826/03 (pedido prejudicado pela desclassificação do fato) e para que incida a causa de diminuição de pena pelo erro de proibição escusável.
Assiste-lhe razão, em parte.
Revejo a dosimetria.
Descaminho. Com relação ao delito de descaminho, não cabe reformar a dosimetria.
Na primeira fase do cálculo, apenas a considerável quantia de tributos foi valorada como circunstância judicial desfavorável.
No presente caso, de fato cabe exasperar a pena-base em razão dessa circunstância: as 179 (cento e setenta e nove) joias apreendidas em poder do réu foram avaliadas em US$ 383.531,05 (trezentos e oitenta e três mil, quinhentos e trinta e um dólares e cinco centavos), o que equivaleria a R$ 1.219.628,74 (um milhão, duzentos e dezenove mil, seiscentos e vinte e oito reais e setenta e quatro centavos) na data da avaliação (fl. 580), ao passo que as 51 (cinquenta e uma) joias apreendidas em poder de Sônia (corré que praticava o descaminho a pedido do réu) tiveram o valor estimado em US$ 88.298,08 (oitenta e oito mil, duzentos e noventa e oito dólares e oito centavos), o que equivaleria a R$ 281.070,43 (duzentos e oitenta e um mil, setenta reais e quarenta e três centavos).
São valores extraordinários que justificam o aumento da pena inicial de forma proporcional à gravidade do fato, não sendo caso de desconsiderá-los apenas porque sua perda implicou significativo prejuízo financeiro para o réu ou por ausência de efetivo recolhimento de tributos.
O réu não se insurgiu com relação à segunda fase do cálculo.
Quanto à terceira fase, o § 3º do art. 334 do Código Penal prevê causa de aumento de pena para o contrabando ou descaminho, devendo ser aplicada em dobro a pena do crime praticado em transporte aéreo, nos exatos termos da norma penal, que não estabeleceu qualquer distinção entre voo regular e clandestino (TRF da 3ª Região, HC n. 201003000296081, Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, j. 21.03.11; ACR n. 200561810057917, Rel. Des. Fed. Henrique Herkenhoff, j. 20.04.10; TRF da 1ª Região, ACR n. 199832000005130, Rel. Des. Fed. Tourinho Neto, j. 03.11.09; TRF da 5ª Região, ACR n. 200583000115421, Rel. Des. Fed. Lazaro Guimarães, j. 06.04.10; TRF da 4ª Região, ACR n. 9504503950, Rel. Des. Fed. Edgard Antônio Lippmann Júnior, j. 14.11.96).
Logo, no presente caso a majorante de pena é aplicável, dado que a internalização das joias deu-se por meio de transporte aéreo em voo comercial regular.
Resta, portanto, mantida a pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão pela prática do delito de descaminho.
Contrabando. Observado o disposto no art. 59, caput, do Código Penal, trata-se de réu primário e sem antecedentes criminais, não havendo nada a valorar negativamente no tocante à personalidade e à conduta social. O motivo do crime não restou suficientemente esclarecido. As consequências não foram excessivamente graves e o comportamento da vítima não é circunstância que, no caso, influencie a conduta criminosa. No tocante às circunstâncias, por outro lado, são excepcionalmente graves considerando a natureza do objeto material do delito - peças para montagem de arma de fogo de uso proibido. Diante disso, fixo a pena-base 1/2 (metade) acima do mínimo legal, em 3 (três) anos de reclusão.
No tocante à segunda fase da dosimetria, pelo que se infere dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça, a atenuante da confissão (CP, art. 65, III, d) incide sempre que fundamentar a condenação do acusado, pouco relevando se extrajudicial ou parcial, mitigando-se ademais a sua espontaneidade (STJ, HC n. 154544, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 23.03.10; HC n. 151745, Rel. Min. Felix Fischer, j. 16.03.10; HC n. 126108, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 30.06.10; HC n. 146825, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 17.06.10; HC n. 154617, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 29.04.10; HC n. 164758, Rel. Min. Og Fernandes, j. 19.08.10). A oposição de excludente de culpabilidade não obsta o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea (STJ, HC n. 283620, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 20.02.14; AgReg em REsp n. 1376126, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 04.02.14; Resp n. 1163090, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 01.03.11).
No caso dos autos, o réu admitiu a autoria delitiva, sem prejuízo da oposição de excludente de responsabilidade penal ao afirmar que as peças pertenciam a terceiro (seu primo Rafael) e que ignorava a ilicitude da conduta.
Consoante o entendimento acima explicitado, o réu faz jus à atenuante, à razão de 1/6 (um sexto), a reduzir a pena para 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão.
Na terceira fase, incide a causa de diminuição prevista no art. 14, II, do Código Penal, na fração de 1/3 (um terço) conforme definido em sentença, o que enseja a redução da pena para 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão.
Em seguida, incide a causa de aumento prevista no art. 334-A, § 3º, do Código Penal, a majorar a pena para 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, resultado definitivo à míngua de outras circunstâncias incidentes sobre o cálculo.
Anoto que, consoante explicitado em tópico anterior, não é aplicável a causa de diminuição por erro de proibição escusável, que não restou caracterizado.
Concurso de crimes. Impõe-se reconhecer, de ofício, que mediante uma única ação o réu praticou os dois crimes - contrabando e descaminho - de forma que se aplica o disposto no art. 70, caput, do Código Penal.
Logo, aplico somente a pena do crime mais grave (contrabando), exasperada de 1/6 (um sexto), de forma que a condenação definitiva resta fixada em 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, resultado definitivo à míngua de outras circunstâncias incidentes sobre o cálculo.
Considerando a quantidade de pena aplicada e a detração do período de prisão provisória do réu, que perdurou desde 12.12.14 (fl. 2) até 12.08.15 (fl. 520), o regime inicial adequado é o aberto, conforme o art. 33, § 2º, c, do Código Penal e o art. 387, § 2º, do Código de Processo Penal.
Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos em favor de entidade beneficente (CP, art. 43, I, c. c. o art. 45, §§ 1º e 2º) e prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas (CP, art. 43, IV, c. c. o art. 46), pelo mesmo tempo da pena privativa de liberdade, cabendo ao Juízo das Execuções Penais definir a entidade beneficiária, o local de prestação de serviços e observar as aptidões do réu.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação do réu para desclassificar a conduta de tentativa de importação de peças de arma de fogo por meio de transporte aéreo como prática do delito previsto no art. 334-A, II, e § 3º, do Código Penal, e reconhecer a atenuante de pena pela confissão, reduzindo a condenação do acusado Fernando Mario Vieira Lima Sampaio para 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, regime inicial aberto, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos em favor de entidade beneficente (CP, art. 43, I, c. c. o art. 45, §§ 1º e 2º) e prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas (CP, art. 43, IV, c. c. o art. 46), pelo mesmo tempo da pena privativa de liberdade, cabendo ao Juízo das Execuções Penais definir a entidade beneficiária, o local de prestação de serviços e observar as aptidões do réu.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | ANDRE CUSTODIO NEKATSCHALOW:10050 |
Nº de Série do Certificado: | 11A21704266A748F |
Data e Hora: | 27/08/2019 10:59:23 |