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Inteiro Teor
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, julgar improcedente a revisão criminal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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VOTO-VISTA
Inicialmente, cumpre registrar o respeito e admiração que nutro pelo Eminente Desembargador Federal Relator Maurício Kato, salientando que o meu pedido de vista se assentou na necessidade de uma análise mais detida dos autos para formação de minha convicção.
Trata-se de revisão criminal proposta por Luiz Estevão de Oliveira Neto contra acórdão da Quinta Turma deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região proferido nos Autos n. 2000.61.81.001198-1 que, por unanimidade, deu parcial provimento aos recursos de apelação do Ministério Público Federal e da União, condenando o ora revisionando às seguintes penas, em concurso material (CP, art. 69) e regime inicial de cumprimento de pena fechado:
Sustenta o revisionando haver crime único (peculato-desvio em continuidade delitiva), e não três espécies delitivas distintas conforme artificiosamente consideradas pelo acórdão (peculato, antes da celebração/adjudicação do contrato; estelionato, no curso do contrato; corrupção, quanto aos valores e benesses recebidos pelo funcionário público, coautor exatamente do crime de peculato) (fls. 17/19).
Também afirma haver bis in idem pela condenação nos crimes de estelionato e corrupção ativa (fls. 19/34), pois para o efeito do cúmulo material o acórdão considerou o depósito de US$ 1.000.000,00 (um milhão de dólares) (fls. 19/20), a compra de imóvel e transferências bancárias (fls. 24), que na realidade correspondem ao exaurimento do crime de estelionato (fl. 24). Acrescenta que ou não houve coautoria no peculato e no estelionato ou não ocorreram os crimes de corrupção ativa e passiva, pois o repasse acima indicado resolve-se em repartição do "butim" (fls. 25/26). Por outro lado, não pode conviver a subversão do funcionário público, como é próprio da corrupção (ativa, passiva), com a anuência que induz à coautoria do peculato e do estelionato (fl. 26). É irracional o membro da quadrilha corromper outro quadrilheiro (fl. 26).
Além disso, aponta evidências de que o peculato não ocorreu (fls. 34/50). Segundo o revisionando, o acórdão considera a apropriação de verbas públicas antes dos inícios das obras para a tipificação do fato (fl. 34). No entanto, conforme ademais objetado em embargos de declaração, havia "lastro contratual" (fl. 35), pois os contratos previam pagamentos de valores até setembro de 2003 (fl. 36). Acresce que a licitação destinava-se à escolha de quem iria (a) adquirir o terreno, (b) elaborar projetos (arquitetura, fundações, cálculo estrutural, instalações elétricas, hidráulicas, lógicas, refrigeração, paisagismo) e (c) procedesse à execução física da edificação (fl. 36). Assim é que, em abril de 1992, foi celebrado o "Instrumento de Recibo de Sinal e Princípio de Pagamento e Garantia de Direitos e Obrigações" (fl. 36) e, em setembro de 1992, foi lavrada a "Escritura de Compra e Venda" (fl. 36). Os pagamentos são coincidentes com o período no qual se estimou a tipificação do peculato (fl. 36), tornando insubsistente a afirmativa segundo a qual o peculato se caracterizara diante de respaldo para a liberação das verbas, isto é, sem antecedente contrato e antes do início das obras (fl. 37). Não existe prova de ilegais adiantamentos feitos sem qualquer contraprestação (fl. 37), pois os pagamentos realizados até setembro de 1992 correspondem ao sinal: "a condenação por peculato, sob o singelo e único fundamento de que houve recebimento de valores do erário pelos réus sem a existência de qualquer contrato à época que previsse tais pagamentos" (fl. 38), portanto, não se sustenta. O Superior Tribunal de Justiça diz que a discussão sobre a configuração desse crime é tema próprio das instâncias ordinárias, daí a presente revisão criminal.
Por fim, alega erro na dosimetria da pena do crime de corrupção ativa, pois foi aplicada a lei mais gravosa, violando-se a irretroatividade (fls. 50/58). Somente foram consideradas três circunstâncias desfavoráveis, culpabilidade, motivos e conduta social (fl. 51, nota 6). Sucede que a Lei n. 10.703/03 agravou a pena prescrita ao crime: a mínima de 1 (um) ano foi elevada para 2 (dois) anos de reclusão, enquanto que a máxima foi elevada de 8 (oito) para 12 (doze) anos de reclusão. Na dosimetria dos demais crimes, as penas grosso modo variam de três a quatro vezes o mínimo legal, enquanto que o crime de corrupção ativa foi sancionado pelo acórdão com pena-base correspondente a seis vezes o mínimo legal na redação anterior à Lei n. 10.703/03, destoando das demais, de modo a revelar que o órgão julgador considerou a pena mínima de 2 (dois) anos de reclusão, vigente ao tempo do julgamento, e não a pena mínima de 1 (um) ano de reclusão, em vigor ao tempo dos fatos. Na espécie, o crime é formal, de modo que teria se aperfeiçoado em 1992, quando da solicitação ou do aceite (fl. 56), com marco final em 1994 (fl. 56), portanto, antes da entrada em vigor da lei mais gravosa.
A inicial veio acompanhada da cópia digitalizada dos autos originários (Ação Penal n. 2000.61.81.001198-1) (fl. 63).
A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Isabel Cristina Groba Vieira, manifestou-se pela improcedência da revisão criminal (fls. 66/95).
O Eminente Relator, Desembargador Federal Maurício Kato, julgou parcialmente procedente o pedido de revisão criminal, para absolver Luiz Estevão de Oliveira Neto da prática do delito previsto pelo art. 333, parágrafo único, e reduzir suas penas para 22 (vinte e dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, regime inicial fechado, e 900 (novecentos) dias-multa, valor unitário correspondente a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais).
Data venia, divirjo do Relator para julgar improcedente a revisão criminal.
Acompanho o Relator no que se refere a julgar improcedente o pedido revisional quanto à alegação de que se trataria de crime único de peculato, para o efeito de excluir a tipificação do estelionato, como se de uma única espécie delitiva se tratasse (em continuidade delitiva). Ao contrário do que sustenta o revisionando, o acórdão não considerou tão somente a circunstância de haver ou não "cobertura" contratual, no sentido de diferenciar uma atividade delitiva da outra pelo fundamento de que, depois de certo momento, teria havido a celebração (adjudicação) do contrato licitado. O voto condutor salienta que, antes da adjudicação e do início propriamente dito da execução do objeto licitado, o servidor público exercia a função de ordenador de despesa, o que explica a tipificação do peculato. Nesse sentido, a alegação de que sequer esse crime teria ocorrido demandaria um revolvimento da prova incompatível com a revisão criminal, por maior que seja o elastério quanto ao seu cabimento: afirmar que os contratos indicados na petição inicial justificam de modo cabal os pagamentos então realizados, enquanto sinal e o suposto início dos trabalhos "de campo", por assim dizer, não encontra respaldo na prova examinada pelo acórdão revidendo. E não é de somenos importância que, na vigência efetiva do contrato, a atividade delitiva não subsistiu enquanto tal: houve alteração da função do servidor público, que a certa altura não mais detinha a atribuição de ordenador de despesa, sendo certo que, pelo que se infere dos autos, foram produzidos documentos falsos (acompanhamento físico) para que a vantagem indevida viesse a ser obtida.
Por essas razões, não tenho nenhum reparo a fazer aos fundamentos do voto do Relator quanto a esse ponto:
Também acompanho o Relator no ponto em que rejeita o pedido revisional ao fundamento de que não haveria evidências de que o peculato ocorreu. Afora a correta objeção de que a matéria foi oportunamente apreciada pela Turma, como ponderado acima, a mera circunstância de haver uma pretensa "cobertura" contratual para os pagamentos não implica, com a segurança que tem o revisionando, a legitimação desses mesmos pagamentos. Conforme se infere dos autos, há indicativos razoáveis de desvio de dinheiro público, de modo que renovar as alegações já rejeitadas após a exaustiva análise da prova do feito originário não enseja, escusado dizer, o acolhimento da pretensão revisional.
Assim, também acompanho o Relator quanto a mais esse ponto, quando concluiu o seguinte:
Peço vênia ao Relator, porém, para divergir na parte em que acolhe a pretensão revisional no sentido de reconhecer a consunção entre os crimes de estelionato e de corrupção ativa, vale dizer, o último se resolve em mero exaurimento do primeiro.
A linha argumentativa do revisionando não é promissora. Afirma não ser racionalmente possível que um membro de uma mesma quadrilha (revisionando) venha a corromper outro elemento dela integrante (funcionário público), no pressuposto de que estavam havia muito já associados para cometer peculato e estelionato contra o erário (cfr. fl. 19). Mas, note-se: embora afirme ser "irracional", portanto um problema lógico que seria em princípio resolvido pelo conflito aparente de normas (exaurimento?), o argumento apela para uma afirmação de fato: o revisionando e o servidor se encontravam associados, "e já haviam em outras oportunidades dividido o produto dos desvios" (fl. 19). Dito em outras palavras, embora a leitura da petição inicial desta revisão aponte para uma questão meramente formal de concurso aparente de normas (que exige um único fato), na realidade introduz uma discussão inçada de dificuldades sobre a dinâmica dos fatos subjacentes, sua prova etc. Por esse motivo considero pouco promissora a linha argumentativa, ou melhor, para o seu acolhimento torna-se incontornável um exame exauriente e aprofundado das provas amealhadas nos autos originários e que foram, a meu juízo, razoavelmente interpretadas pelo acórdão aqui impugnado. Daí a improcedência, também nessa parte, do pedido revisional.
Com efeito, o crime de corrupção gira em torno, grosso modo, a respeito da aquisição pelo servidor público de um imóvel em Miami (EUA), mobília e veículos, e recebimento de US$ 1.000.000,00 (um milhão de dólares), como contraprestação (vantagem indevida) pelos expedientes ilícitos envolvendo a licitação de obra pública e execução do respectivo contrato (cf. fls. 18.497/18.517 dos autos do feito originário). A responsabilidade do revisionando pelo crime de corrupção ativa encontra-se devidamente fundamentada no acórdão revidendo, conforme segue:
Anoto que a mesma alegação já havia sido arguida pelo revisionando em sede de embargos de declaração opostos contra o acórdão condenatório. Por ocasião do julgamento, ao rejeitar a impugnação, a Quinta Turma deste Tribunal, por meio do voto da Relatora, Eminente Desembargadora Federal Suzana Camargo, destacou que as condutas referentes ao crime de estelionato e aquelas relativas à corrupção não se confundiam:
Além disso, como bem apontado no parecer ministerial, a configuração dos crimes pelos quais o revisionando restou condenado também foi reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, que, no Recurso Especial n. 1.183.134-SP, salientou que o caso concreto versava sobre objetos jurídicos tutelados por tipos penais distintos, não ensejando o reconhecimento da consunção, mas da pluralidade de delitos:
Logo, sendo incontornável uma reapreciação dos fatos e das provas, a conclusão, com a devida vênia, não resulta no preenchimento dos requisitos autorizadores da revisão criminal.
Por fim, não merece acolhimento o pedido revisional quanto à dosimetria do crime de corrupção ativa.
Segundo a petição inicial, teria havido retroatividade in malam partem. Mas essa afirmação não tem base na dosimetria concretamente realizada no acórdão impugnado. É uma ilação ou uma inferência que o revisionando faz a partir de um certo "padrão" que a Turma julgadora teria adotado, considerada a relação entre as penas mínimas e a pena-base de cada um dos crimes pelos quais veio a ser condenado. Mas não se pode dizer, com a segurança necessária para desconstituir a coisa julgada, que o acórdão partiu efetivamente de um mínimo legal de 2 (dois) anos de reclusão para determinar a pena-base. Confira-se:
Observa-se que a pena-base, fixada em 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de reclusão, respeitou os parâmetros do preceito secundário do art. 317 do Código Penal vigente ao tempo dos fatos, pois não ultrapassou o máximo legal de 8 (oito) anos de reclusão, não se constatando, portanto, a alegada retroatividade da Lei n. 10.763/03 (lex gravior).
Em contraposição às provas e respectivas conclusões tiradas pela decisão revidenda, o requerente apresentou apenas seu inconformismo (cfr. fls. 2/62), não tendo, pois, se desincumbido do ônus de comprovar que a condenação está divorciada das provas dos autos ou contraria texto expresso da lei penal, tal como exige o art. 621, I, do Código de Processo Penal.
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a revisão criminal (divirjo do Relator).
É o voto.
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RELATÓRIO
Trata-se de revisão criminal, com pedido liminar, ajuizada pela defesa de Luiz Estevão de Oliveira Neto, com fundamento no artigo 621, I, do Código de Processo Penal, contra o acórdão proferido pela Quinta Turma deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que, nos autos da Ação Penal nº 2000.61.81.001198-1, à unanimidade, condenou-o, como incurso nas penas do artigo 312, em continuidade delitiva (peculato-desvio); do artigo 171, § 3º (estelionato qualificado) em continuidade delitiva; do artigo 333, § 1º (corrupção ativa); do artigo 304 (uso de documento falso) e do artigo 288 (quadrilha ou bando), todos do Código Penal, na forma do artigo 69, do mesmo diploma legal, atribuindo-lhe as seguintes penas, respectivas: 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, além de sanção pecuniária fixada em 300 (trezentos dias multa, no valor unitário de R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais); 8 (oito) anos de reclusão, além da sanção pecuniária fixada em 300 (trezentos) dias-multa, valor unitário de R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais); 8 (oito) anos e 8 (oito) meses de reclusão, além da sanção pecuniária fixada em 300 (trezentos) dias-multa, no valor unitário de R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais); 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, além da sanção pecuniária fixada em 300 (trezentos) dias-multa, no valor de R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais); 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, a serem cumpridas em regime inicial fechado.
Luiz Estevão de Oliveira Neto, por seu advogado regularmente constituído, objetiva, em apertada síntese (fls. 2/62):
A inicial veio acompanhada da cópia digitalizada dos autos originários (Ação Penal n. 2000.61.81.001198-1) em mídia audiovisual à fl. 63.
A Procuradoria Regional da República, em manifestação de fls. 66/95, manifestou-se pela improcedência da revisão criminal.
É o relatório.
À revisão.
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Data e Hora: | 04/09/2017 17:35:52 |
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VOTO
Luiz Estevão de Oliveira Neto objetiva, por meio desta ação revisional, com fundamento no artigo 621, I, do Código de Processo Penal, a desconstituição do acórdão exarado nos autos da Ação Penal n. 0001198-37.2000.4.03.6181, por entender ser ele contrário a texto expresso em lei penal e à evidência dos autos.
Referido acórdão, prolatado pela Quinta Turma deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região, condenou Luiz Estevão a 31 (trinta e um) anos de reclusão e no pagamento de 1.200 (um mil e duzentos) dias-multa, valor unitário correspondente R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), pelas práticas de peculato, de estelionato, de corrupção ativa e passiva, de formação de quadrilha e de uso de documento ideologicamente falso; condutas, estas, verificadas durante o certame licitatório relacionado à construção do prédio em que seriam instaladas as Juntas de Conciliação e Julgamento da Justiça do Trabalho em São Paulo/SP.
O trânsito em julgado do acórdão proferido pela 5ª Turma deste Tribunal Regional Federal ocorreu em 28.10.16 (cfr. mídia audiovisual à fl. 63).
Nestes autos revisionais, Luiz Estevão de Oliveira Neto pretende, em apertada síntese (fls. 2/62):
A despeito do parecer apresentado pelo Ministério Público Federal, às fls. 66/95, entendo assistir parcial razão ao requerente.
Destaco, no que importa, elementos da Ação Criminal originária.
Luiz Estevão De Oliveira Neto, Nicolau dos Santos Neto, Fábio Monteiro de Barros Filho e José Eduardo Correa Teixeira Ferraz foram denunciados pela prática dos delitos previstos pelos artigos 171, § 3º, 288, 299 c. c. o 304, 312, 317, § 1º, e 333, parágrafo único, todos do Código Penal (fls. 2/36 e 5.693/5.704, dos autos originários).
Constou da denúncia que as práticas delitivas imputadas aos acusados decorreram de ato administrativo promovido pelo então presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Nicolau dos Santos Neto, que, em janeiro de 1992, promoveu o Certame Licitatório n. 01/92, disciplinado pelo Decreto-Lei n. 2.300/86, que foi instaurado para o fim de possibilitar a construção do Fórum Trabalhista em São Paulo/SP.
Relatou o Ministério Público Federal que foram apresentadas apenas três propostas, das quais, uma resultou desclassificada. Foi vencedora aquela oferecida pela empresa Incal - Indústria e Comércio de Alumínios Ltda.; enquanto que o consórcio representado pela empresa de Luiz Estevão de Oliveira Neto (Grupo OK) e pela Construtora Augusto Velloso ficou em segundo lugar. O resultado da licitação tornou-se público em 31.03.92.
Houve a adjudicação do objeto licitado à Incal Incorporações S/A, empresa que, a despeito de não participar do certame originário, já que constituída depois de sua realização, era composta em seus quadros societários pelas empresas Incal - Indústria e Comércio de Alumínios Ltda. e Monteiro de Barros Investimentos, esta última representada por Fábio Monteiro de Barros Filho e José Eduardo Correa Teixeira Ferraz.
Referida prática, conforme sustentado pelo Ministério Público Federal, implicou afronta o artigo 40 do Decreto-Lei n. 2.200/86.
Explicou a acusação que essa nova empresa (Incal Incorporações S/A.) foi constituída com capital integralizado de Cr$100.000,00 (cem mil cruzeiros), equivalentes, em 19.02.92, a US$69,99 (sessenta e nove dólares e noventa e nove centavos).
Antes mesmo da assinatura do já mencionado contrato, esclareceu o Ministério Público Federal: Nicolau dos Santos liberou pagamentos à Incal Incorporações S/A. O contrato, firmado em 19.09.92, teve por objeto a aquisição de imóvel consistente em terreno e prédio a ser construído para a instalação das Juntas de Conciliação e Julgamento da Cidade de São Paulo/SP, pelo sistema de "preço fechado", no valor de Cr$150.252.480.000,00 (cento e cinquenta bilhões, duzentos e cinquenta e dois milhões, quatrocentos e oitenta mil cruzeiros), em cruzeiros de 2.1.1992 (equivalentes a 251.653.900,97 UFIR).
Para a construção do edifício, que deveria contar com metragem superior a 84.000m² (oitenta e quatro mil metros quadrados) de área construída, Fábio Monteiro e José Eduardo, sócios da já mencionada incorporadora, criaram uma nova empresa, a Construtora Ikal Ltda. (anteriormente denominada CONSTRUTORA Incal S/A), igualmente integrada pelo aglomerado Incal - Indústria e Comércio de Alumínios Ltda. e Monteiro de Barros Investimentos S/A, que adquiriu o imóvel em 19.08.92, por US$4.200.000,00 (quatro milhões e duzentos mil dólares).
A escritura pública do imóvel adquirido para a construção do Fórum Trabalhista foi lavrada em 19.12.96, que ocorreu em razão de auditoria administrada pelo TCU, que determinou à Incal Incorporações S/A. transferisse referida propriedade para o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.
Esclarece a acusação que, em 21.02.92, Monteiro de Barros Investimentos S/A transferiu 90% (noventa por cento) de suas quotas de participação na empresa Incal Incorporações S/A. ao Grupo OK, administrado e representado por Luiz Estevão de Oliveira Neto.
Com substrato nos fatos já mencionados, a acusação sustentou a ilegalidade da já mencionada licitação, quer quanto a seu objeto, que teria dificultado o reconhecimento de sua finalidade por eventuais empresas interessadas, quer porque a compra de imóvel a preço fechado para futura entrega não encontra respaldo no Decreto-Lei n. 2.300/86.
Nesse particular, asseverou competir à administração pública adiantar valores sem a necessária contrapartida da empresa contratada, já que sequer apresentou qualquer garantia que previsse eventual inadimplência contratual. Afirmou, igualmente, restar verificado pelas investigações realizadas pelos órgãos competentes que, em abril de 1998, a despeito de apenas aproximados 65% (sessenta e cinco por cento) das obras encontrarem-se findas, as empresas licitantes já haviam recebidos valores superiores a 98% (noventa e oito por cento) dos valores contratados.
Referida situação tornou-se possível, conforme relato da acusação, pela circunstância de Nicolau dos Santos, depois de deixar a Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, assumir a Presidência da Comissão de Obras, a partir de setembro de 1992 e, no desempenho dessa função, em 31.05.93, contratar os serviços do engenheiro Antonio Carlos da Gama De Silva, como responsável pelo acompanhamento da construção de referido prédio. Houve o fornecimento de laudos fictícios que indicavam falsamente tanto o estado em que as obras se encontravam como sua evolução, com o objetivo de justificar a indevida liberação das verbas públicas destinadas a esse fim. Verificou-se que referido profissional também fazia parte da "folha de pagamento" do Grupo Monteiro de Barros (recebeu cerca de US$42.483,35 (quarenta e dois mil, quatrocentos e oitenta e três dólares e trinta e cinco cents) deste conglomerado), sendo observadas coincidências entre valores depositados em sua conta corrente e a liberação de verbas pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região com fundamento nos relatórios elaborados por ele.
Referida situação, sustentou o Ministério Público Federal, perdurou até 1998, ocasião em que, depois de esgotadas as verbas públicas destinadas à referida construção, houve a celebração, em 17.06.98, do quarto aditivo contratual, ao fundamento de que seria necessário manter-se o equilíbrio contratual. Pactuou-se valor aditivo de R$34.088.871,11 (trinta e quatro milhões, oitenta e oito mil, oitocentos e setenta e um reais e onze centavos). Para essa nova fase licitatória, Nicolau dos Santos contratou novo engenheiro, Gilberto Morand Paixão, que manteve a mesma conduta perpetrada pelo engenheiro anteriormente mencionado. Por meio deste aditivo, o custo das obras teve um acréscimo de R$36.931.901,10 (trinta e seis milhões, novecentos e trinta e um mil, novecentos e um reais e dez centavos), que, por força de decisão judicial, restaram parcialmente liberados.
Com efeito, concluiu o Ministério Público Federal, até a suspensão judicial dos pagamentos, em julho de 1998, já haviam sido pagos à Incal Incorporações S/A R$231.953.176,75 (duzentos e trinta e um milhões, novecentos e cinquenta e três mil e cento e setenta e seis reais e setenta e cinco centavos), a despeito de serem empregados na obra, até aquele momento, R$62.461.225,60 (sessenta e dois milhões, quatrocentos e sessenta e um mil, duzentos e vinte e cinco reais e sessenta centavos), o que implicou o desvio injustificado de R$169.491.951,05 (cento e sessenta e nove milhões, quatrocentos e noventa e um mil, novecentos e cinquenta e um reais e cinco centavos) pertencentes aos cofres públicos.
Constou da denúncia, igualmente, que, em razão da quebra de sigilo bancário da empresa Incal Incorporações S/A., verificou-se que, entre 1992 e 1999, houve o repasse de US$34.286.217,25 (trinta e quatro milhões, duzentos e oitenta e seis mil, duzentos de dezessete reais e vinte e cinco centavos) a empresas do Grupo OK, por meio de 109 (cento e nove) operações financeiras que se utilizaram dos já mencionados recursos públicos indevidamente recebidos em razão do certame em comento, já que a Incal Incorporações S/A., à época dos fatos, não apresentava qualquer outra fonte de renda distinta daquelas originadas do processo licitatório para a construção do Fórum Trabalhista em São Paulo/SP, vencido por ela.
Destacou a acusação que, no particular, foi possível fazer uma triangulação entre as ordens bancárias relacionadas às transferências de recursos públicos para a Incal Incorporações S/A. e as empresas do Grupo Ok, o que era feito por meio das empresas que compunham o Grupo Monteiro de Barros.
Referidas transações, continuou o Ministério Público Federal, foram justificadas por Luiz Estevão de Oliveira Neto e Fábio Monteiro de Barros Filho por meio da elaboração de documentos falsos que foram apresentados por eles à chamada CPI do Judiciário, os quais fundamentaram suas declarações perante a já mencionada Comissão Parlamentar.
Restou igualmente demonstrado, por meio de investigações prévias, que Nicolau dos Santos Neto locupletou-se indevidamente com a verba desviada, o que permitiu a aquisição indevida de bens imóveis e móveis, além da obtenção de outras vantagens indevidas, dentre os quais se destacam o extrato da conta NISSAN, mantida por ele no banco Santander, localizado em Genébra (Suíça), no valor de US$713.000,00 (setecentos e treze mil dólares), em 12.04.94, transferidos das contas JAMES TOWERS; e, em 14.04.94 e 25.04.97, verificaram-se duas transferências - US$247.000,00 (duzentos e quarenta e sete mil dólares) e US$40.000,00 (quarenta mil dólares), originadas da conta LEO GREEN, ambas mantidas junto ao Delta National Bank, em Miami (EUA). As contas originais de que partiram referidos valores pertenciam a Luiz Estevão de Oliveira Neto e totalizaram a transferência de US$1.000.000,00 (um milhão de dólares) a Nicolau dos Santos.
Apresentou a acusação o "caminho" de referido dinheiro: originaram-se da empresa Incal Incorporações S/A., que repassou US$3.297.527,29 (três milhões, duzentos e noventa e sete mil, quinhentos e vinte e sete reais e vinte e nove centavos) à CONTREC - Comércio, Importação e Exportação Ltda., com base em contrato fraudulento de câmbio mantido com Manaus Trading Corporation, sediada em Miami (EUA), que, por sua vez, realizou transferências, que totalizaram US$3.000.000,00 (três milhões de dólares), a Luiz Estevão de Oliveira Neto. Assegurou que além desses valores, que constaram do primeiro aditamento contratual como repassados ao Grupo OK, foram descobertos outros valores, superiores a US$38.000.000,00 (trinta e oito milhões de dólares), constantes da operação Contrec-Manaus Trading e de outros cheques destinados a empresas do Grupo OK.
Depois do trâmite processual cabível e respeitado o pleno contraditório, foi prolatada sentença em 26.06.02, integrada por decisão exarada em 27.11.06 (fls. 19979/19104, dos autos originários), pela qual, o Juízo Federal da 1ª Vara Criminal de São Paulo/SP, com fundamento no artigo 383 do Código de Processo Penal, desclassificou a conduta imputada a Luiz Estevão de Oliveira Neto para aquelas previstas pelo artigo 92 da Lei n. 8.666/93 e pelos artigos 288, 299 c/c 304 e 333, caput, todos do Código Penal; e absolveu-o da prática dos delitos de que tratam o artigo 92 da Lei n. 8.666/93 e artigos 288 e 333, caput, ambos do Código Penal, com fundamento no artigo 386, III e VI, do Código de Processo Penal.
Houve interposição recursal pelo Ministério Público Federal, objetivando, quanto a Luiz Estevão de Oliveira Neto, a procedência da ação penal para que fosse condenado como incurso nas penas dos artigos 171, § 3º, 288, 312, § 1º, 333, parágrafo único, todos do Código Penal, com o consequente afastamento da emendatio libelli adotada pelo Juízo sentenciante (cfr. fls. 17719/17822, dos autos originários).
Em 03.05.06, a Quinta Turma deste Tribunal, por unanimidade, rejeitou a matéria preliminar arguida e deu provimento parcial ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal, para condenar Luiz Estevão de Oliveira Neto pelas práticas dos delitos previstos pelo artigo 312, em continuidade delitiva (peculato-desvio); pelo artigo 171, § 3º (estelionato qualificado), em continuidade delitiva; pelo artigo 333, parágrafo único (corrupção ativa); pelo artigo 304 (uso de documento falso) e pelo artigo 288 (quadrilha ou bando), todos do Código Penal, na forma do artigo 69, do mesmo diploma legal, às penas, respectivas, de 09 (nove) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, além da sanção pecuniária fixada em 300 (trezentos) dias-multa, no valor unitário de R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais); 08 (oito) anos de reclusão, além da sanção pecuniária fixada em 300 (trezentos) dias multa, no valor unitário de R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais); 08 (oito) anos e 08 (oito) meses de reclusão, além da sanção pecuniária fixada em 300 (trezentos) dias-multa, no valor unitário de R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais); 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, além da sanção pecuniária fixada em 300 (trezentos) dias-multa, no valor unitário de R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais); 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, a serem cumpridas no regime inicial fechado (fls. 18580/18587).
Constou da fundamentação do voto condutor de referido acórdão:
O voto condutor do acórdão, ora submetido à revisão, enfrentou todas as questões apresentadas pela defesa de Luiz Estevão de Oliveira Neto e analisou os elementos de prova que implicaram a condenação do requerente nos termos supracitados.
Quanto à prática do crime de peculato (artigo 312 do Código Penal) o voto condutor do acórdão, ora sob revisão, asseverou que (fls. 18240/18260, dos autos originários):
Extrai-se da leitura do voto, ora questionado, a tipicidade do delito de que trata o artigo 312 do Código Penal, o qual, dado as peculiaridades do caso concreto, não admite a incidência do instituto da consunção.
De fato, em razão de o então funcionário público, Nicolau dos Santos, durante o período em que foi Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, de janeiro a setembro de 1992, não obter para si ou para outrem vantagem ilícita decorrente de artifício fraudulento, não há falar em prática de estelionato, já que não houve qualquer fraude para induzir em erro a administração pública, mas sim desvio de verbas de que Nicolau dos Santos tinha posse, em razão do exercício do já mencionado cargo administrativo.
Assim, nesse particular, a conduta de Luiz Estevão, decorrente da prática do delito em concurso de pessoas (artigo 29 do Código Penal), amolda-se àquela imputada a Nicolau dos Santos Neto e, por tal razão, descabe a absorção dessa conduta por aquela descrita pelo artigo 171, § 3º, do Código Penal.
A defesa de Luiz Estevão de Oliveira Neto, em suas razões revisionais, objetiva, em apertada síntese, sua absolvição pela prática do crime de peculato, em razão de referida condenação ser contrária às evidências dos autos.
Sem razão.
A ação Revisional pressupõe seu ajuizamento a hipótese em que o julgado condenatório for contrário ao texto expresso em lei penal ou à evidência nos autos (artigo 621, I, do Código de Processo Penal).
De fato, a ação revisional, com natureza rescisória, pressupõe ofensa a texto expresso da lei, ou seja, o julgado rescindendo foi contrário ao que determina a lei nem se manteve adstrito ou observou aquilo que ela veda. A contrariedade à evidências dos autos, por sua vez, indica que a condenação do acusado não tem apoio em provas idôneas, mas em meros indícios, sem qualquer consistência lógica e real.
Note-se, ademais, que os Tribunais Superiores têm o entendimento de que não se admite a mera reiteração de teses já analisadas pelo acórdão revisando, o que ocorre na hipótese dos autos. Nesse sentido, recente julgado do Supremo Tribunal Federal:
Com efeito, em razão de o pedido rescisório fundamentado no artigo 621, II, do Código de Processo Penal, mostrar-se mera reiteração das teses jurídicas já apresentadas e decididas pelo julgado originário, acobertado pelo manto da coisa julgada, penso ser descabido o acolhimento da presente mação revisional para nova apreciação de teses já vencidas, cuja concussão a que chegou o acórdão rescindendo não implicou ofensa "ao texto expresso da lei penal", à matéria de fato e o desprezo "à evidência dos autos".
Não acolho, pois a presente ação revisional, quanto ao fundamento indicado pelo artigo 621, I, do Código de Processo Penal.
Depois que Nicolau dos Santos Neto deixou a presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região e passou a integrar sua Comissão Orçamentária (de setembro de 1992 a 15 de setembro de 1998) , os fatos descritos pela denúncia passaram a se coadunar com a prática delitiva de que trata o artigo 171, § 3º, do Código Penal, já que, nesse interregno, houve fraude quanto às conclusões técnicas relacionadas à construção da sede da Justiça Trabalhista em São Paulo/SP, para possibilitar o indevido recebimento de parcelas derivadas do progresso da construção do Fórum Trabalhista.
Nesse sentido, o voto exarado pela Des. Federal Suzana Camargo, então relatora da Apelação Criminal em comento, constante de fls. 18273/18393, contidas nos volumes 70 e 71 dos autos originários.
A Desembargadora Suzana Camargo fundamentou seu entendimento quanto à prática do delito de estelionato por Nicolau do Santos Neto nos documentos carreados nos autos originários, dentre os quais merecem destaques aqueles acostados às fls. 352/417, dos autos originários, relacionados ao processo administrativo instaurado pelo Tribunal de Contas da União.
Outro ponto a ser destacado no particular é o fato de a concorrência pública administrada por Nicolau dos Santos Neto igualmente não se manter quando observado que o ente público não possuía o terreno destinado à sede da Justiça Trabalhista em São Paulo/SP. Assim, não se tratava de simples aquisição de imóvel, mas de objeto contendo várias hipóteses de oferta, ampliando as atividades da administração contratante o que propiciou o mascaramento das ilegalidades constantes de todo o procedimento licitatório com o objetivo de dificultar a identificação da real natureza da licitação.
Houve, de fato, uma mescla entre o processo licitatório relacionado à construção civil da sede já mencionada e o procedimento inerente à desapropriação de terreno, ou seja, ocorreu indevida conversão de uma licitação para aquisição de imóvel em uma para a contratação de serviços de engenharia civil, o que implicou o descabimento da incidência do artigo 69 do Decreto-Lei n. 2.300/86 ao já mencionado processo administrativo.
Foi essa a conclusão a que chegou o Tribunal de Contas da União (cfr. fls. 18296/18340). Transcrevo, no particular, a ementa extraída de sua decisão:
Em razão destes fatos, foi possível inferir que a administração do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, representada por seu então Presidente, Nicolau dos Santos Neto, realizou uma concorrência pública, da qual decorreu a realização de um contrato administrativo, regido pelas regras do direito público.
Depois de cessado seu mandato como Presidente de referido Tribunal, assumiu a Presidência da Comissão de Construção do Fórum Trabalhista da Cidade de São Paulo, a partir de setembro de 1992, e, nessa condição, começou a administrar o andamento das obras de construção civil já mencionada, assim como ordenar eventuais liberações pecuniárias correspondentes aos estágios de construção tecnicamente verificados.
No que tange à execução da obra, a equipe de auditoria - auxiliada por uma arquiteta do Fundo de Construção da Universidade de São Paulo/SP - FUNDUSP - verificou que, a despeito de serem concluídas apenas cerca de 2/3 (dois terços) das ações previstas, foram liberados aproximados 99% (noventa e nove por cento) dos valores originariamente contratados para referido desiderato.
Foram apontadas várias inconsistências relacionadas às obras contratadas e aos relatórios técnicos apresentados pelo engenheiro contratado pelo Tribunal Regional do Trabalho para indicarem a correlação entre a evolução física da obra e a liberação de recursos financeiros equivalentes.
Nesse ponto, destacou-se a fraude utilizada pelo corréu Nicolau dos Santos, já que foram incluídos nas medições itens de serviço incompatíveis com o estágio de desenvolvimento das obras nos períodos referidos, para o fim de obter indevidos adiantamentos dos valores correspondentes à execução do contrato de construção civil firmado com a empresa, então pertencente a Luiz Estevão de Oliveira Neto.
Pagamentos foram efetuados sem que os serviços contratados correspondentes fossem feitos, o que implicou ofensa ao artigo 38 do Decreto n. 93.872/86, vigente à época dos fatos, que vedava pagamentos antecipados por fornecimentos de materiais, execução de obra ou prestação de serviços, o que implicou a tipicidade da conduta prevista pelo artigo 171 do Código Penal, já que Nicolau proporcionou a si e aos representantes das empresas responsável pela obra já mencionada vantagem ilícita em prejuízo da administração, obtida por meio da fraude perpetrada pelos engenheiros civis indicados por ele, para o fim de atestarem o progresso da construção já mencionada, tal como exigido pelo já mencionado artigo 38 do Decreto n. 93.872/86.
Foi verificado ainda que, em 19.12.97, considerando que a execução de tais projetos dependia do crédito orçamentário suplementar previsto para o exercício de 1998, ainda não disponível àquela data, foi firmado o Terceiro Termo Aditivo entre o Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região e a Empresa Incal Incorporações S/A, pelo qual foi prorrogado o prazo de vigência do contrato original por mais 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias, ou seja, foi prolongado até 31 de dezembro de 1998. Referido crédito, no valor de R$22.000.000,00 (vinte e dois milhões de reais), foi aprovado e publicado no Diário Oficial da União de 31.12.97.
A propósito, mencionou a equipe de inspeção: de ver que, em seu parecer de 04.11.97, o engenheiro Antônio Carlos da Gama e Silva, já prevendo como líquida e certa a liberação dos R$22.000.000,00 (vinte e dois milhões de reais) a título de aditamento contratual, distribuiu este valor nos itens relativos aos serviços pretensamente modificados no contrato original, o que, de igual forma, indicou a prática do delito previsto pelo artigo 171 do Código Penal.
As práticas delitivas imputadas a Nicolau dos Santos consistiram em:
No particular, faz-se necessário esclarecer que Incal Indústria e Comércio de Alumínio Ltda. limitou-se a participar da licitação e a vencê-la. Incal Incorporações S/A foi criada após a licitação pela empresa Monteiro de Barros Investimentos S/A (que também tem como sócios Fábio Monteiro de Barros Filho e José Eduardo Correa Teixeira Ferraz), com 10% das cotas, e por Incal Indústria e Comércio de Alumínio Ltda., detentora de 90% das cotas.
Após referida alteração, a Incal Indústria e Comércio de Alumínio Ltda. retirou-se da sociedade, transferindo a totalidade de suas ações para a Monteiro de Barros Investimentos S/A, que passou a ser detentora de 100% das ações da Incal Incorporações S/A, sendo que, no dia seguinte, Monteiro de Barros Investimentos S/A transferiu 90% de suas ações para o Grupo OK Construções e Incorporações S/A., que renunciou ao direito de preferência na aquisição das ações da outra sócia.
Assim a composição societária da Incal Incorporações S/A era a seguinte: 10% das cotas pertencentes à Monteiro de Barros Investimentos S/A, que tinha como sócios os acusados Fábio Monteiro de Barros Filho e José Eduardo Correa Teixeira Ferraz; enquanto 90% das cotas restantes eram pertencentes ao Grupo OK Construções e Incorporações S/A, que tem por sócio majoritário o acusado Luiz Estevão de Oliveira Neto.
Com efeito, em razão de os já mencionados adiantamentos de valores foram propiciados por meio de distorções verificados nos pareceres técnicos emitidos pelo engenheiro Antônio Carlos da Gama e Silva, tem-se que Nicolau dos Santos Neto, Fábio Monteiro de Barros e José Eduardo Ferraz, na qualidade de sócios da empresa Incal S/A e Luiz Estevão de Oliveira Neto, na qualidade de sócio majoritário das empresas do Grupo OK, praticaram o delito de que trata o artigo 171, § 3º, do Código Penal, já que suas condutas pautaram-se em relatórios fraudulentos, com o objetivo de ludibriar a administração pública para a obtenção de vantagem ilícita.
Pela descrição dos fatos imputados a Luiz Estevão não há falar na incidência do instituto da consunção entre os crimes de peculato e estelionato.
De fato, sua incidência pressupõe que a norma incriminadora (artigo 171 do Código Penal) seja o meio necessário, fase normal de preparação ou execução, ou conduta anterior ou posterior de outro crime (artigo 312 do Código Penal), é excluída pela norma deste, ainda que o crime-meio seja punido mais gravemente do que o crime-fim, bem como sejam atingidos bens jurídicos diferentes, dentro da concepção finalista adotada pelo nosso Código.
Referida correlação não ocorreu entre os delitos de estelionato e de peculato, já que as condutas perpetradas por Nicolau dos Santos, em conluio, com os demais acusados, dentre eles Luiz Estevão, foram distintas e não mantiveram entre si qualquer relação de subordinação.
Assim, nesse particular, a conduta de Luiz Estevão, decorrente da prática do delito em concurso de pessoas (artigo 29 do Código Penal), amolda-se àquela imputada a Nicolau dos Santos Neto e, por tal razão, mantém-se sua condenação pela prática do delito previsto pelo artigo 171, § 3º, do Código Penal, em razão dos fatos perpetrados entre setembro de 1992 e dezembro de 1998.
Luiz Estevão de Oliveira Neto foi denunciado pela prática de corrupção ativa, em razão de oferecer vantagem indevida (dinheiro e benesses) a funcionário público (Nicolau dos Santos Neto) para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício, ou seja, aqueles inerentes a todas as etapas da licitação fraudulenta e da execução do contrato, em razão do que ocorreram as liberações de valores.
A defesa de Luiz Estevão pretende a revisão do julgado, por entender que houve consunção entre os crimes de estelionato e de corrupção ativa, já que este se mostrou como exaurimento daquele.
Com razão.
A despeito do que restou sustentado pela denúncia e fundamentado pela Des. Federal Suzana Camargo em seu voto no sentido de que os valores recebidos por Nicolau dos Santos Neves, em razão de seu cargo, de Luiz Estevão não se encontram diretamente relacionados aos valores recebidos por eles em razão da prática de estelionato qualificado, os elementos dos autos apontam em sentido diverso.
Para delimitar minha fundamentação, transcrevo trecho do voto da relatora relacionado à condenação de Luiz Estevão como incurso nas penas do artigo 317, § 1º, do Código Penal (fls. 18499/18517):
Com a devida vênia da então relatora, não logro observar condutas distintas relacionadas aos delitos de estelionato e de corrupção passiva imputados a Nicolau dos Santos durante o período compreendido entre setembro de 1992 e dezembro de 1998.
Durante o período já mencionado, observo, conforme já mencionado anteriormente, que Nicolau dos Santos Neto atuou para que relatórios inverídicos fossem apresentados por engenheiros civis para justificar a indevida antecipação de valores relacionados ao processo licitatório vencido pela empresa Incal Incorporações S/A, cujo 90% (noventa por cento) das cotas pertenciam ao grupo OK, de propriedade de Luiz Estevão de Oliveira Neto.
Nesse particular, os valores recebidos por Nicolau dos Santos Neto relacionados a aquisições imobiliárias, mobiliárias e em espécie (US$1.000.000,00 (um milhão de dólares)), não se me afiguraram condutas autônomas daquelas tipificadas pelo artigo 171 do Código Penal, mas sim seu exaurimento, ou seja, a perpetração da fraude, para induzir a administração pública em erro, com o objetivo de obter vantagem ilícita, nesse caso, repassada por um dos beneficiários daquela prática delituosa.
Conforme se inferem dos fatos descritos pela denúncia e adotados pela relatora como razões de decidir, a conduta de Luiz Estevão de Oliveira Neto manteve-se adstrita ao tipo penal descrito pelo artigo 171, § 3º, do Código Penal, na medida em que repassou a Nicolau dos Santos Neto parcelas dos valores indevidamente percebidos pelo Grupo OK em razão da fraude perpetrada pelo então Presidente da Comissão de Construção do Fórum Trabalhista da Cidade de São Paulo com o objetivo de garantir ao já mencionado Grupo OK o indevido percebimento de parcelas relacionadas ao pagamento da já mencionada construção civil, o que implicou aos cofres públicos prejuízo superior a R$160.000.000,00 (cento e sessenta milhões de reais).
Tenho, pois, que a hipótese se ajusta ao tipo penal previsto pelo artigo 171, § 3º, do Código Penal, que prevalece sobre a conduta de que trata o artigo 317, parágrafo único, do Código Penal, haja vista o conflito aparente de normas dirimido pela incidência do princípio da especialidade, razão pela qual, para evitar dupla condenação do acusado, há consunção entre referidos delitos.
Com efeito, pelos elementos dos autos, restou satisfatoriamente comprovada apenas a prática do delito previsto pelo artigo 171, § 3º, do Código Penal, razão pela qual, pelos fundamentos já expostos, mantenho a condenação Luiz Estevão de Oliveira Neto apenas pela prática de referido delito.
A defesa de Luiz Estevão de Oliveira Neto aduz que, em razão de excesso na fixação das penas derivadas da prática do delito de corrupção ativa, haja nova dosimetria das penas que lhe foram impostas.
Com razão.
Conforme já fundamentado, o crime de corrupção ativa imputado a Luiz Estevão foi absorvido pela prática de estelionato e, por tal razão, entendo deva ser excluída de sua condenação as penas derivadas da suposta prática do delito previsto pelo artigo 333, § 1º, do Código Penal.
Pretende a defesa de Luiz Estevão de Oliveira Neto sejam reapreciados os critérios utilizados pelo órgão julgador originário para a fixação das penas impostas ao réu, ao argumento de que sua conduta social, os motivos do crime, circunstâncias e consequência delitivas foram considerados demasiadamente negativas para a fixação das penas a que foi condenado.
Sem razão.
Em razão dos limites intrínsecos à ação revisional, não há falar em ilegalidade na dosimetria se os órgão julgadores originários fundamentaram concretamente a fixação das penas impostas ao acusado.
Isto, porque o ajuizamento da revisão criminal pressupõe afronta direta a texto expresso da lei penal ou processual penal, não comportando qualquer análise relativa aos critérios discricionários adotados pelo julgador.
Os critérios de dosimetria são submetidos aos elementos de convicção judicial acerca das circunstâncias subjetivas e objetivas do delito, na primeira fase de dosimetria; de atenuantes e agravantes, na segunda fase de dosimetria; de majorantes ou minorantes, na terceira de dosimetria.
Assim, compete aos Tribunais, em sede de apreciação de pedido revisional, proceder ao controle de legalidade e de constitucionalidade acerca dos critérios empregados pelo órgão julgador originário para a fixação das penas impostas ao particular, a fim de evitar afronta direta ao texto legal.
Desta forma, entendo que o reexame de critérios concretos de individualização da pena não se coaduna com a natureza processual estrita da Revisão Criminal (Súmula n. 343 do Supremo Tribunal Federal), já que eventual contradição ao texto de lei e à evidência dos autos deve exsurgir cristalina, sem a necessidade de interpretação duvidosa ou análise puramente subjetiva das provas.
No particular, em observância ao princípio da individualização da pena e ao sistema trifásico, a dosimetria penal, estabelecida com base nas circunstâncias objetivas e subjetivas relacionadas às condutas delitivas perpetradas por Luiz Estevão justificaram o aumento da pena-base acima do mínimo legal e a fixação do regime prisional, os quais se mostraram adequados para a prevenção e punição delitiva, nos termos do art. 59 do Código Penal.
Com efeito, entendo que as penas de Luiz Estevão de Oliveira Neto merecem ser readequadas apenas para manter sua condenação pela prática dos delitos de que tratam o artigo 312, em continuidade delitiva (peculato-desvio), a 09 (nove) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, além da sanção pecuniária fixada em 300 dias-multa, no valor unitário de R$2.500,00; o artigo 171, § 3º (estelionato qualificado), em continuidade delitiva, a 08 (oito) anos de reclusão, além da sanção pecuniária fixada em 300 dias-multa, no valor unitário de R$2.500,00; o artigo 304 (uso de documento falso), a 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, além da sanção pecuniária fixada em 300 dias-multa, no valor unitário de R$2.500,00 e artigo 288 (quadrilha ou bando), todos do Código Penal, a 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão a na forma do artigo 69, do mesmo diploma legal, a serem cumpridas no regime inicial fechado.
Assim, acolho a presente ação revisional apenas para absolver Luiz Estevão de Oliveira Neto da prática do delito de corrupção ativa de que trata o artigo 333, § 1º, do Código Penal, em razão de referida conduta delitiva ser absorvida pela prevista pelo artigo 171, § 3º, do Código Penal, e, em razão disto, readequar as penas que lhe foram impostas.
Ante o exposto, CONHEÇO da revisão criminal e JULGO-A PARCIALMENTE PROCEDENTE, para absolver Luiz Estevão de Oliveira Neto da prática do delito previsto pelo artigo 333, parágrafo único, e reduzir suas penas para 22 (vinte e dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, regime inicial fechado, e 900 (novecentos) dias-multa, valor unitário correspondente a R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais).
É o voto.
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