1 de Julho de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000020-93.2018.4.03.6000
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: ANDREY DIONY COELHO PRESTES
CURADOR: PERPETUA ELEAZER COELHO PRESTES
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000020-93.2018.4.03.6000
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: ANDREY DIONY COELHO PRESTES
CURADOR: PERPETUA ELEAZER COELHO PRESTES
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de ação proposta por ANDREY DIONY COELHO PRESTES em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a declaração de inexigibilidade de débito referente a valores recebidos a título de amparo social à pessoa portadora de deficiência, bem como o restabelecimento do referido benefício.
Juntados procuração e documentos.
Foi concedida parcialmente a tutela antecipada, para determinar ao INSS que se abstivesse de cobrar da parte autora os valores pagos a título de LOAS até o julgamento final da lide.
Deferido o pedido de gratuidade da justiça.
O INSS apresentou contestação.
Réplica da parte autora.
Laudo socioeconômico juntado aos autos.
Informado o falecimento da parte autora, procedeu-se à habilitação dos seus sucessores.
Foi realizada audiência de instrução.
O MM. Juízo de origem julgou improcedente o pedido.
Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação alegando, em síntese, a impossibilidade da cobrança perpetrada pela autarquia, sobretudo considerando o caráter alimentar da verba, o princípio da irrepetibilidade do benefício e a comprovada boa-fé.
Sem contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
O Ministério Público Federal se manifestou pelo provimento da apelação.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000020-93.2018.4.03.6000
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: ANDREY DIONY COELHO PRESTES
CURADOR: PERPETUA ELEAZER COELHO PRESTES
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
V O T O
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): A parte autora foi beneficiário do amparo social à pessoa portadora de deficiência nº 87/506.742.326-5, concedido com DIB em 18.02.2005.
No entanto, após revisão administrativa, foi identificada irregularidade na concessão do referido benefício, consistente na renda per capita familiar superior a 1/4 do salário-mínimo, em desacordo com art. 20, § 3º da Lei 8.742/93, passando a autarquia à cobrança do valor pago até 30.09.2017.
Diante disso, a parte autora ajuizou a presente ação, na qual pretende a declaração de inexigibilidade do aludido débito, bem como o restabelecimento do benefício.
Em primeiro grau, a ação foi julgada improcedente.
Em suas razões de recurso, porém, a parte autora alega a irrepetibilidade do benefício recebido de boa-fé e mediante erro administrativo, requerendo a declaração de nulidade do débito.
Conforme pacificado pelo C. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp nº 1.381.734/RN, representativo de controvérsia, "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido":
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além dcaráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa. Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015." (STJ, REsp nº 1.381.734 - RN, 1ª Seção, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, j. em 10.03.2021, DJe 23.04.2021
No caso dos autos, não há elementos que demonstrem a existência de má-fé por parte do beneficiário. Ao contrário, pode-se falar até mesmo em boa-fé, principalmente quando se observa a curta duração dos vínculos da sua genitora, bem como o fato de que se tratava de incapaz, inserido em grupo familiar simples e de pouca instrução.
Cabe salientar, outrossim, que cabe ao INSS reavaliar, a cada dois anos, a manutenção dos requisitos, e, no presente caso, o benefício apenas foi reavaliado em 2017, mais de dez anos após o seu deferimento.
Ademais, deve-se considerar que a autarquia dispõe de toda a informação constante do CNIS para definir o preenchimento dos requisitos, tendo quedado-se inerte durante todo esse período, em que as informações do núcleo familiar poderiam ser acessadas.
Desse modo, ainda que o benefício assistencial possa ter sido pago equivocadamente no período, é indevida a restituição desses valores, tendo em vista a natureza alimentar de tais verbas, bem como a comprovação da boa-fé objetiva da parte autora no caso concreto.
Cumpre consignar, por fim, que ainda que a boa-fé objetiva não tivesse sido demonstrada, não seria possível a repetição dos valores através da aplicação do decidido pelo C. STJ, uma vez que, conforme modulação de efeitos definida pelo Colegiado, o entendimento estabelecido somente deve atingir os processos distribuídos após a publicação do acórdão, ocorrida em 23.04.2021.
De rigor, portanto, a reforma da r. sentença neste ponto.
Tendo em vista a sucumbência recíproca, o INSS deveria arcar com honorários advocatícios no importe de 10% do valor da restituição pretendida, e a parte autora no montante de 10% sobre o valor das parcelas relativas ao restabelecimento pretendido, observada a condição de beneficiário da Justiça Gratuita, se o caso (Lei 1.060/50 e Lei 13.105/15).
Entretanto, observo que a parte autora foi representada judicialmente pela Defensoria Pública da União, nos autos de ação ajuizada em face do INSS, o qual está inserido no conceito de Fazenda Pública.
Dessa forma, verificada a confusão de credor e devedor, inviável o reconhecimento da obrigação autárquica, como, aliás, encontra-se pacificado na jurisprudência, por meio da Súmula 421, do STJ:
"Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença."
Transcrevo, por oportuno, os seguintes julgados proferidos em sede de recurso especial representativo de controvérsia:
"ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA REPETITIVA. RIOPREVIDÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PAGAMENTO EM FAVOR DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. NÃO CABIMENTO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1." Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença "(Súmula 421/STJ).
2. Também não são devidos honorários advocatícios à Defensoria Pública quando ela atua contra pessoa jurídica de direito público que integra a mesma Fazenda Pública.
3. Recurso especial conhecido e provido, para excluir da condenação imposta ao recorrente o pagamento de honorários advocatícios." (STJ, Corte Especial, REsp 1199715 / RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. em 16/02/2011, DJe em 12/04/2011).
"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO À SISTEMÁTICA PREVISTA NO ART. 543-C DO CPC. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEFENSORIA PÚBLICA. CÓDIGO CIVIL, ART. 381 (CONFUSÃO). PRESSUPOSTOS.
1. Segundo noção clássica do direito das obrigações, ocorre confusão quando uma mesma pessoa reúne as qualidades de credor e devedor.
2. Em tal hipótese, por incompatibilidade lógica e expressa previsão legal extingue-se a obrigação.
3. Com base nessa premissa, a jurisprudência desta Corte tem assentado o entendimento de que não são devidos honorários advocatícios à Defensoria Pública quando atua contra a pessoa jurídica de direito público da qual é parte integrante.
4. A contrario sensu, reconhece-se o direito ao recebimento dos honorários advocatícios se a atuação se dá em face de ente federativo diverso, como, por exemplo, quando a Defensoria Pública Estadual atua contra Município.
5. Recurso especial provido. Acórdão sujeito à sistemática prevista no art. 543-C do CPC e à Resolução nº 8/2008-STJ." (STJ, Corte Especial, REsp 1108013 / RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, j. em 03/06/2009, DJe em 22/06/2009).
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora, para declarar a inexigibilidade do débito cobrado pela autarquia.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEVOLUÇÃO DE PARCELAS PAGAS AO BENEFICIÁRIO. DESNECESSIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO DO INSS. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARCIALMENTE PROVIDA.
1. A parte autora foi beneficiário do amparo social à pessoa portadora de deficiência nº 87/506.742.326-5, concedido com DIB em 18.02.2005.
2. Identificada irregularidade na concessão do referido benefício, consistente na renda per capita familiar superior a 1/4 do salário-mínimo, em desacordo com art. 20, § 3º da Lei 8.742/93, a autarquia passou à cobrança do valor pago até 30.09.2017.
3. Conforme pacificado pelo C. STJ, no julgamento do REsp nº 1.381.734/RN, representativo de controvérsia, "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido".
4. Não se mostra possível, assim, a cobrança dos valores pagos equivocadamente no período, tendo em vista a natureza alimentar de tais verbas, bem como a comprovação da boa-fé objetiva da parte autora no caso concreto.
5. Ademais, ainda que a boa-fé objetiva não tivesse sido demonstrada, não seria possível a repetição dos valores através da aplicação do decidido pelo C. STJ, uma vez que, conforme modulação de efeitos definida pelo Colegiado, o entendimento estabelecido somente deve atingir os processos distribuídos após a publicação do acórdão, ocorrida em 23.04.2021.
6. Tendo em vista a sucumbência recíproca, o INSS deveria arcar com honorários advocatícios no importe de 10% do valor da restituição pretendida, e a parte autora no montante de 10% sobre o valor das parcelas relativas ao restabelecimento pretendido, observada a condição de beneficiário da Justiça Gratuita, se o caso (Lei 1.060/50 e Lei 13.105/15).
7. Entretanto, considerando que a parte autora foi representada judicialmente pela Defensoria Pública da União, nos autos de ação ajuizada em face do INSS, o qual está inserido no conceito de Fazenda Pública, verifica-se a confusão de credor e devedor, sendo inviável o reconhecimento da obrigação autárquica, como, aliás, encontra-se pacificado na jurisprudência, por meio da Súmula 421, do STJ.
8. Apelação da parte autora parcialmente provida.